Recebido em: 24/10/2024
Aprovado em: 19/02/2025
O dano existencial no trabalho escravo doméstico
The existential damage in the domestic
slave labour
El daño existencial del trabajo
doméstico esclavo
Caio Afonso Borges
Universidade de Brasília (UNB)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1985649258696413
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4262-7445
Luísa Nunes de Castro Anabuki
Ministério Público do Trabalho (MPT)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5514622343100860
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7377-7246
RESUMO
Introdução: O artigo aborda o trabalho escravo doméstico, considerados a
previsão normativa e o contexto histórico que denotam dinâmicas do
colonialismo de raça e de gênero, e apresenta o conceito de dano existencial
enquanto instituto da responsabilidade civil.
Objetivo: O objetivo é analisar o enquadramento do dano existencial a casos
de trabalho escravo doméstico, em especial, os de longa duração, em que a
trabalhadora tem os direitos à educação, à profissionalização e ao convívio
familiar negados.
Metodologia: Além da revisão bibliográfica, mobilizou-se a vertente
metodológica jurídico-sociológica para estabelecer um diálogo entre a
realidade do fenômeno social do trabalho escravo doméstico e o fenômeno
jurídico do dano existencial, enquanto instituto da responsabilidade civil.
Resultados: Identificou-se que o dano existencial, pouco mobilizado em
ações judiciais, é importante instituto para tutelar a subjetividade de
mulheres submetidas ao trabalho escravo doméstico e pode ser usado como
ferramenta para tensionar a estrutura colonial e patriarcal do Direito e da
Justiça do Trabalho.
Conclusão: Em conclusão, as circunstâncias que configuram o trabalho
escravo doméstico no Brasil impactam na esfera extrapatrimonial das
vítimas que implicam danos ao projeto de vida e à vida de relações, de forma
que a caracterização do dano existencial encontra estreita sintonia com a
situação das vítimas. Trata-se de recurso técnico-jurídico pois é instituto
distinto do dano moral e visa a tutelar bens jurídicos distintos –, e também
simbólico no sentido de permitir reconhecer as origens e as razões da
permanência do trabalho escravo doméstico e que as suas consequências
recaem sobre os corpos específicos das mulheres negras. Sua utilização, a
partir de julgamentos com perspectiva de raça e gênero, pode ser
compreendida como ferramenta que aponta para a descolonização do
aparato justrabalhista e para a garantia de dignidade às trabalhadoras,
cabendo ao Ministério Público do Trabalho, dada a sua atribuição
constitucional, ser um instigador desse reconhecimento.
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BORGES, Caio Afonso; ANABUKI, Luísa N. de Castro. O dano existencial no trabalho escravo doméstico. Revista
Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.8, p. 1-39, 2025. DOI:
https://doi.org/10.33239/rjtdh.v8.180.
PALAVRAS-CHAVE: colonialidade; dano existencial; Justiça do Trabalho;
trabalho escravo doméstico.
ABSTRACT
Introduction: The article addresses domestic slave labor, considering the
normative prediction and the historical context that denote the dynamics of
race and gender colonialism, and presents the concept of existential damage
as an institute of civil liability.
Objective: The objective is to analyze the framing of existential damage to
cases of domestic slave labor, especially long-term ones, in which the
female worker is denied the rights to education, professionalization and
family life.
Methodology: In addition to the literature review, the legal-sociological
methodological approach was mobilized to establish a dialogue between the
reality of the social phenomenon of domestic slave labor and the legal
phenomenon of existential damage as an institute of civil liability.
Results: It was identified that existential damage, little mobilized in
lawsuits, is an important institute to protect the subjectivity of women
subjected to domestic slave labor and can be used as a tool to tension the
colonial and patriarchal structure of Labor Law and Justice.
Conclusion: In conclusion, the circumstances that shape domestic slave
labor in Brazil impact the off-balance sheet sphere of the victims that imply
damage to the life project and to the life of relationships, so that the
characterization of existential damage is closely in tune with the situation
of the victims. It is a technical-legal resource as it is a distinct institute
from moral damage and aims to protect different legal assets and also
symbolic in the sense that it allows the recognition of the origins and reasons
for the permanence of domestic slave labor and that its consequences fall
on the specific bodies of black women. Its use, based on judgments with a
perspective of race and gender, can be understood as a tool that points to
the decolonization of the labor law apparatus and to the guarantee of dignity
to workers, and it is up to the Public Ministry of Labor, given its
constitutional attribution, to be an instigator of this recognition.
KEYWORDS: coloniality; domestic slave labor; existential damage; Labor
Justice.
RESUMEN
Introducción: El artículo aborda el trabajo doméstico esclavo, considerando
la predicción normativa y el contexto histórico que denotan las dinámicas
del colonialismo racial y de género, y presenta el concepto del daño
existencial como un instituto de responsabilidad civil.
Objetivo: El objetivo es analizar el encuadre del daño existencial en los
casos de trabajo doméstico esclavo, especialmente los de larga duración, en
los que se niegan al trabajador los derechos a la educación, a la
profesionalización y a la vida familiar.
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https://doi.org/10.33239/rjtdh.v8.180.
Metodología: Además de la revisión de la literatura, se movilizó el enfoque
metodológico jurídico-sociológico para establecer un diálogo entre la
realidad del fenómeno social del trabajo doméstico esclavo y el fenómeno
jurídico del daño existencial como instituto de responsabilidad civil.
Resultados: Se identificó que el daño existencial, poco movilizado en
demandas judiciales, es un instituto importante para proteger la
subjetividad de las mujeres sometidas al trabajo doméstico esclavo y puede
ser utilizado como herramienta para tensionar la estructura colonial y
patriarcal del Derecho y la Justicia del Trabajo.
Conclusión: En conclusión, las circunstancias que configuran el trabajo
doméstico esclavo en Brasil impactan en la esfera fuera de balance de las
víctimas que implican daños al proyecto de vida y a la vida de relaciones,
por lo que la caracterización del daño existencial está en estrecha sintonía
con la situación de las víctimas. Se trata de un recurso técnico-jurídico -por
ser un instituto distinto del daño moral y que tiene por objeto proteger
distintos bienes jurídicos- y también simbólico en el sentido de que permite
reconocer los orígenes y las razones de la permanencia del trabajo
doméstico esclavo y que sus consecuencias recaigan en los cuerpos
específicos de las mujeres negras. Su uso, a partir de juicios con perspectiva
de raza y género, puede entenderse como una herramienta que apunta a la
descolonización del aparato de derecho laboral y a la garantía de la dignidad
de los trabajadores, correspondiendo al Ministerio Público de Trabajo, dada
su atribución constitucional, ser instigador de este reconocimiento.
PALABRAS CLAVE: colonialidad; daño existencial; Justicia del Trabajo;
trabajo doméstico esclavo.
INTRODUÇÃO
O trabalho escravo doméstico é um fenômeno social oriundo de situações de
extrema pobreza, intimamente ligado ao trabalho infantil, em que meninas, desde
a tenra idade, são afastadas de seus núcleos familiares e dos bancos escolares, sendo
apresentadas ao trabalho precoce. Submetidas a longas e exaustivas jornadas de
trabalho, proibidas de manter relações afetivas fora do local de trabalho e vivendo
em condições degradantes, as trabalhadoras veem toda a sua rede de contatos e
afetos ser reduzida às pessoas do núcleo familiar explorador empregador e deixam
de desenvolver projetos ou planos que não se vinculem com o trabalho exercido, com
prejuízos à sua própria personalidade.
Com base nisso, o presente artigo pretende analisar a pertinência de
enquadrar o conceito de dano existencial a casos de trabalho escravo doméstico,
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especialmente aqueles de longa duração, em que a trabalhadora tem seus direitos
fundamentais à educação, à profissionalização, ao convívio familiar e à dignidade
negados.
Para tanto, descrevemos inicialmente o fenômeno do trabalho escravo
doméstico e suas principais características tendo como base a crítica à colonialidade
de gênero e raça enquanto fator central. Em seguida, apresentamos o conceito de
dano existencial como dano ao projeto de vida e o prejuízo à vida de relações,
discutindo, após, se é possível correlacioná-los.
A partir dessa contextualização de base teórica, mobilizamos a vertente
metodológica jurídico-sociológica1 no intuito de estabelecer um diálogo entre a
realidade do fenômeno social do trabalho escravo doméstico e o fenômeno jurídico
composto pelo dano existencial enquanto instituto da responsabilidade civil e a
interpretação a ele dada pelo Tribunal Superior do Trabalho.
Por fim, pretendemos apresentar a construção dos requisitos para
configuração do dano existencial conforme a jurisprudência do Tribunal Superior do
Trabalho a partir do julgamento dos Embargos em Recurso de Revista n.º 402-
61.2014.5.15.00302, pela Subseção Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1),
ressaltando o assento temporal da causa de pedir analisada (jornadas excessivas
habituais). Com base nisso, apontamos como o dano existencial, enquanto
ferramenta da responsabilidade civil, pode ser manejado no caso de trabalho escravo
doméstico destacando seus possíveis impactos para reparação de danos causados por
uma estrutura racista e colonial que se sustenta na exploração do trabalho e da vida
de mulheres e de crianças, majoritariamente negras.
1 GUSTIN, Miracy; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa jurídica: teoria e prática.
Belo Horizonte: Del Rey, 2013. p. 22.
2 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais. Embargos
em Recurso de Revista 402-61.2014.5.15.0030. Relator: Ministro Vieira de Mello Filho. Julgado em
29 out. 2020. [Brasília: TST, 27 nov. 2021].
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https://doi.org/10.33239/rjtdh.v8.180.
1 O trabalho escravo doméstico: principais características
Nos termos da Constituição da República de 19883, o trabalho é um direito
fundamental (art. 6º) cujo valor social foi elevado a fundamento da República
Federativa do Brasil, juntamente com a dignidade da pessoa humana (art. 1º).
Segundo Gabriela Neves Delgado4, o trabalho, enquanto elemento de constituição do
sujeito, deve ser realizado em condições dignas, em que os seus direitos
fundamentais são garantidos, e a partir das quais ele possa se dedicar às diversas
outras esferas da vida apartadas do labor. Ao compreender a dignidade da pessoa
humana como pilar estruturante do sistema de proteção aos direitos fundamentais
da Constituição Federal de 1988, a pesquisadora declara que, por dever de
integridade e coerência, o Texto Constitucional, ao se referir a trabalho, protege e
impõe tão somente o trabalho digno.
No entanto, no plano fático, essas garantias constitucionais são diariamente
desrespeitadas, configurando um panorama expandido de violação de direitos
fundamentais trabalhistas, inclusive com a conivência dos Poderes Legislativo5 e
Judiciário6. O extremo desse cenário é o trabalho escravo, localizado em zonas de
não incidência da proteção constitucional, que refletem as dinâmicas da zona do
3 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília,
DF: Presidência da República, [2024]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 26 jun. 2023.
4 DELGADO, Gabriela Neves. O direito fundamental ao trabalho digno. 2. ed. São Paulo: LTr, 2015.
5 Sobre o tema das ilegalidades constitucionais, salientamos a lição de Lawrence Mello: “Denominam-
se ilegalidades constitucionais do trabalho (...) as situações em que o poder de legalidade do Estado
fornece permissividade à expansão da relação desigual de poder, existente nas relações de trabalho
e inclusive de emprego, ainda antes das transformações recentes do Estado brasileiro. (...) Esta
extensão desigual do poder se realiza por meio de discriminação institucional, presente no desenho
das contratualidades do trabalho realizado na Constituição Federal.” MELLO, Lawrence Estivalet de.
Constituição e contrato de trabalho: legalização da violência e desenhos discriminatórios. Salvador:
EDUFBA, 2023. p. 183.
6 Sobre as decisões do Supremo Tribunal Federal em matéria trabalhista e a desconstrução de direitos,
ver COUTINHO, Grijalbo Fernandes. Justiça política do capital: a desconstrução do direito do trabalho
por meio de decisões judiciais. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2021.
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não-ser que negam a condição de sujeito aos nela localizados7. O trabalho escravo
é, segundo Lívia Miraglia, a antítese do trabalho digno8.
Juridicamente, o artigo 149 do Código Penal prevê o crime de redução à
condição análoga à de escravo pela via de trabalhos forçados, jornada exaustiva,
condições degradantes de trabalho e restrição de locomoção. Soma-se a isso uma
plêiade de normativos que condenam e proíbem a prática tanto em âmbito
internacional como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH-ONU), o
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), as Convenções 29 e 105 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), etc. como nacional Planos Nacionais
I e II de Erradicação do Trabalho Escravo, entre outros.
Em que pese toda a construção normativa internacional e nacional que proíbe
o trabalho escravo, ele persiste como dura realidade brasileira, em que mais de 63
mil trabalhadores e trabalhadoras foram resgatados desde 19959, tendo inclusive
formas ainda pouco enfrentadas ou coibidas, como aponta Raissa Roussenq Alves ao
afirmar que, "de maneira geral, o trabalho doméstico fica invisibilizado na discussão
sobre trabalho escravo, apesar das conhecidas condições desumanas a que essas
trabalhadoras estão sujeitas”10.
No caso específico do trabalho escravo doméstico, é possível verificar a
caracterização de circunstâncias que se consubstanciam em todos os núcleos do tipo
7 CARNEIRO, Sueli. Dispositivo de racialidade: a construção do outro como não ser como fundamento
do ser. Rio de Janeiro: Zahar, 2023; FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. São Paulo: Ubu
Editora, 2020. p. 22; FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Zahar, 2022. p. 35, 37
e 47; PIRES, Thula Rafaela de Oliveira. Racializando o debate sobre direitos humanos. SUR: Revista
Internacional de Direitos Humanos, [São Paulo], v. 15, n. 28, p. 66, 2018; PIRES, Thula Rafaela de
Oliveira. Direitos humanos e Améfrica Ladina: por uma crítica amefricana ao colonialismo jurídico.
Fórum Latin American Studies Association, [Pittsburgh], v. 50, n. 3, p. 70, 2019.
8 MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. O trabalho digno como antítese do trabalho escravo
contemporâneo: um retrato a partir da análise do trabalho escravo rural. In: DELGADO, Gabriela Neves
(org.). Direito fundamental ao trabalho digno no século XXI: desafios e reinterpretações para as
relações de trabalho rurais, urbanas e de serviços. São Paulo: LTr, 2020. V. 2. p. 64.
9 Segundo o Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil - BRASIL. Ministério
do Trabalho e Emprego. Secretaria de Inspeção do Trabalho. Painel de Informações e Estatísticas da
Inspeção do Trabalho no Brasil. Brasília: SIT, 2025. Disponível em:
https://sit.trabalho.gov.br/radar/. Acesso em: 5 fev. 2025.
10 ALVES, Raissa Roussenq. A herança do racismo. In: SAKAMOTO, Leonardo (org.). Escravidão
contemporânea. São Paulo: Contexto, 2020. p. 180.
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penal11, a exemplo da submissão a jornadas exaustivas, conquanto se verifica que,
no trabalho doméstico, é comum o extrapolamento das limitações legais das
jornadas, com trabalhos que iniciam com o café da manhã e terminam após a ceia,
todos os dias da semana, com supressão ou restrição ao direito a descanso semanal
remunerado ou férias.
Não se deve esquecer que as trabalhadoras domésticas foram a última
categoria a ter o direito à limitação de jornada reconhecido constitucionalmente.
Direito apenas conquistado a partir da Emenda Constitucional 72 de 2013, 25 anos
após a promulgação da Carta Constitucional de 1988, a qual estendeu direitos a
trabalhadores urbanos e rurais, mas expressamente ressalvou o trabalho doméstico.
Outra peculiaridade é a confusão entre o espaço de trabalho e de descanso,
em que muitas trabalhadoras coabitam com seus empregadores, mas lhes sendo
reservadas condições de saúde, segurança e higiene diferentes das do restante dos
moradores. Destacam-se como elementos que configuram condições degradantes no
trabalho escravo doméstico a limitação de alimentação e dormitórios inapropriados,
normalmente localizados em apensos ou anexos à casa principal, sem adequada
mobília. Em diversos casos de trabalho análogo ao escravo no âmbito doméstico, as
trabalhadoras dormem em colchão no chão, no “quarto da bagunça” ou no “quarto
de despejo”12.
Com relação à restrição de locomoção, verificam-se situações de
trabalhadoras indocumentadas ou com documentos retidos pelos empregadores, de
baixa escolaridade e com ausência ou baixos pagamentos de salários, que, ao serem
afastadas em tenra idade do núcleo familiar, têm limitação de circulação e
liberdade13.
11 GOMES, Isabella Filgueiras. Trabalho escravo doméstico no Brasil contemporâneo: contornos,
características e formas de enfrentamento. In: ARAÚJO, Adriane Reis de et al (org.). Direitos
humanos no trabalho pela perspectiva da mulher. Belo Horizonte: RTM, 2019.
12 SANTANA, Raquel Leite da Silva. As cuidadoras na sala de visita: regulamentação jurídica do
trabalho de cuidado à luz da trilogia de Carolina Maria de Jesus. São Paulo: Editora Dialética, 2022.
13 GOMES, Isabella Filgueiras. Trabalho escravo doméstico no Brasil contemporâneo: contornos,
características e formas de enfrentamento. In: ARAÚJO, Adriane Reis de et al (org.). Direitos
humanos no trabalho pela perspectiva da mulher. Belo Horizonte: RTM, 2019.
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Isabella Filgueiras Gomes14 conclui que todos os elementos do tipo do art. 149
e 149-A do Código Penal podem ser encontrados no trabalho escravo doméstico e
alerta para uma dificuldade particular nas fiscalizações e operações nesses casos: a
alegação da inviolabilidade do domicílio. Além disso, argumenta também que a Lei
Complementar 150/2015 previu expressamente que as inspeções realizadas pela
Subsecretaria de Inspeção do Trabalho somente poderiam ser feitas após
agendamento prévio com os empregadores15, o que em situações de flagrante crime
pode ser excepcionado, por determinação do Texto Constitucional, mas que fragiliza
a preservação da realidade do trabalho.
Para além das definições jurídicas e normativas sobre o tema, falar de
trabalho escravo requer considerar um passado colonial que ainda se faz presente
por meio de estruturas, de narrativas e de dinâmicas sociais. Requer, portanto, que
centralizemos raça e gênero para que possamos identificar as perpetuações de um
sistema escravista que não ficou no passado e não se encerrou com a Lei Áurea de
1888. Ou seja, precisamos entender como a raça, mesmo depois desse marco formal
da abolição da escravidão, continuou a informar as dinâmicas sociais, as experiências
subjetivas e as condições de vida de toda uma população que foi relegada às margens
de qualquer tipo de proteção e de inclusão. Uma população que, segundo Lélia
Gonzalez, está na “lata de lixo da sociedade brasileira, pois assim o determina a
lógica da dominação”16. E, como propõe ainda a autora, nessa sociedade racialmente
estruturada, o gênero aparece também como fator a determinar as relações, entre
elas as do trabalho, e impor violências sobre o corpo da mulher negra17.
14 GOMES, Isabella Filgueiras. Trabalho escravo doméstico no Brasil contemporâneo: contornos,
características e formas de enfrentamento. In: ARAÚJO, Adriane Reis de et al (org.). Direitos
humanos no trabalho pela perspectiva da mulher. Belo Horizonte: RTM, 2019.
15 GOMES, Isabella Filgueiras. Trabalho escravo doméstico no Brasil contemporâneo: contornos,
características e formas de enfrentamento. In: ARAÚJO, Adriane Reis de et al (org.). Direitos
humanos no trabalho pela perspectiva da mulher. Belo Horizonte: RTM, 2019.Tal exigência mostra-
se incompatível com a urgência e a necessidade de preservação da prova, tão importantes em casos
de trabalho escravo.
16 GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista ciências sociais hoje: ANPOCS,
[São Paulo], v. 2, n. 1, p. 225, 1984.
17 GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista ciências sociais hoje: ANPOCS,
[São Paulo], v. 2, n. 1, p. 225, 1984.
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É dizer, portanto, que as análises do trabalho escravo contemporâneo,
sobretudo o doméstico, não podem ser feitas sem considerar as raízes escravistas
que se aprofundam no solo brasileiro e se alastram pelas estruturas da casa grande.
Devemos ter como plano de fundo um cenário em que um Estado feito por e para
elites brancas desenvolveu políticas que conservaram, até hoje, o poder da
branquitude em detrimento da inferiorização da população negra18. Essas políticas,
por sua vez, condicionaram e condicionam o acesso da população negra à educação,
à política, ao emprego e, portanto, à própria condição de cidadania, configurando
uma das bases do que Mário Theodoro chama de sociedade desigual19.
o trabalho escravo doméstico, enquanto modalidade específica,
circunscreve-se no âmbito da residência, tendo utilidade em processos reprodutivos,
antes dos processos produtivos. O trabalho escravo doméstico é uma reminiscência
de uma cultura calcada no racismo e no sexismo que impõe à doméstica, o lugar “da
prestação de bens e serviços”20. Ele intensifica a lógica de subalternização e
desvalorização da mulher negra, que é tratada “como objeto e não como sujeito”,
dando cabo a um racismo que se pauta na lógica da exclusão, conforme nos ensina
Lélia Gonzalez21.
O trabalho escravo doméstico ainda pode ser compreendido, em última
instância, como a síntese do processo de hierarquização pautado na raça e no gênero,
que tem bases na divisão sexual e internacional do trabalho22 e que visa a subjugar,
controlar e explorar o trabalho e o corpo das sujeitas negras. Esses regimes de
disciplina pautados em normas de gênero e de raça são representativos do conceito
de “imagens de controles” de Patricia Hill Collins, o qual se refere, segundo Winnie
18 SANTANA, Raquel Leite da Silva. As cuidadoras na sala de visita: regulamentação jurídica do
trabalho de cuidado à luz da trilogia de Carolina Maria de Jesus. São Paulo: Editora Dialética, 2022.
p. 43.
19 THEODORO, Mário. A sociedade desigual: racismo e branquitude na formação do Brasil. São Paulo:
Zahar, 2022.
20 GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista ciências sociais hoje: ANPOCS,
[São Paulo], v. 2, n. 1, p. 230, 1984.
21 GONZALEZ, Lélia. Cultura, etnicidade e trabalho: efeitos linguísticos e políticos da exploração da
mulher. In: ENCONTRO NACIONAL DA LATIN AMERICAN STUDIES ASSOCIATION, 8., 1979, Pittsburgh.
Anais [...]. Pittsburgh: [s. n.], 1979. Mimeografado.
22 FEDERICI, Silvia. Além da pele: repensar, refazer e reivindicar o corpo no capitalismo
contemporâneo. São Paulo: Elefante, 2023. p. 109.
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Bueno, à “dimensão ideológica do racismo e do sexismo compreendidos de forma
simultânea e interconectada” e que são operacionalizados para “perpetuar padrões
de violência e dominação”, conferir “às iniquidades sociorraciais a aparência de
neutralidade e inevitabilidade” e “disseminar na sociedade contemporânea as
justificativas que estruturam o sistema de vigilância e violência que atravessam o
cotidiano das mulheres negras23. As imagens de controle são, portanto, centrais na
naturalização do trabalho escravo doméstico cujas vítimas são, em sua maioria,
mulheres negras.
Como exemplo dessa sobreposição racismo-sexismo no trabalho doméstico,
evocamos as imagens produzidas por Adriana Varejão nas obras Filho bastardo (1992)
e Filho bastardo (Cena de interior) (1997)24, que representam as violências sofridas
por mulheres escravizadas no Brasil do século XIX, enquanto uma chaga do
colonialismo. Essas cenas, no entanto, não são anacrônicas com o Brasil do século
XXI, sendo espelhadas nos prolongamentos vivenciais das mulheres negras que
trabalham em outras casas e, portanto, na perpetuação de um colonialismo jurídico
expresso na proteção precária25 e na informalidade.
23 BUENO, Winnie. Imagens de controle: um conceito do pensamento de Patricia Hill Collins. Porto
Alegre: Zouk, 2020. p. 73.
24 PINACOTECA DE SÃO PAULO; VOLZ, Jochen. Adriana Varejão: suturas, fissuras, ruínas. São Paulo:
Pinacoteca do Estado, 2022. p. 122-123.
25 SANTANA, Raquel Leite da Silva. As cuidadoras na sala de visita: regulamentação jurídica do
trabalho de cuidado à luz da trilogia de Carolina Maria de Jesus. São Paulo: Editora Dialética, 2022.
p. 42 e 175.
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Figuras 1 e 2 – Filho bastardo (1992) e Filho bastardo (Cena de interior) (1997)
Fonte: Adriana Varejão26
Conquanto o trabalho doméstico se defina como aquele não produtivo, ou, nos
termos da Lei Complementar 150/2015, que não tenha finalidade lucrativa, ele se
atrela fortemente ao setor de serviços enquanto uma de suas expressões. O trabalho
de serviços, segundo Ursula Huws, engloba, dentre outros, o cuidado, em suas
múltiplas manifestações, e os serviços pessoais, sendo o trabalho doméstico uma
categoria que expressa uma grande parcela desse setor27. No Brasil, os serviços
sempre estiveram atrelados à informalidade e ao seu desempenho por pessoas
negras28, a evidenciar uma relação de exclusão desse contingente populacional do
âmbito protetivo do Direito do Trabalho.
Segundo pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA) em 2019, 14,6% das brasileiras se ocupavam, em 2018, com trabalho
doméstico, o que representa um total de 5,7 milhões de mulheres. Esse número não
é linear e varia de acordo com a cor da trabalhadora, subindo para 18,6% entre as
negras e caindo para 10% entre brancas. Dos trabalhadores domésticos, 63% são
26 PINACOTECA DE SÃO PAULO; VOLZ, Jochen. Adriana Varejão: suturas, fissuras, ruínas. São Paulo:
Pinacoteca do Estado, 2022.
27 HUWS, Ursula. A formação do cibertariado: trabalho virtual em um mundo real. Campinas, SP:
Editora da Unicamp, 2017. p. 171-173.
28 ALVES, Raissa Roussenq. Entre o silêncio e a negação: trabalho escravo contemporâneo sob a ótica
da população negra. Belo Horizonte: Letramento, 2019. p. 16.
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BORGES, Caio Afonso; ANABUKI, Luísa N. de Castro. O dano existencial no trabalho escravo doméstico. Revista
Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.8, p. 1-39, 2025. DOI:
https://doi.org/10.33239/rjtdh.v8.180.
mulheres negras. Os homens não representam sequer 8% dos trabalhadores
domésticos remunerados. Entre as empregadas domésticas, 28,3%, ou seja, quase
um terço das trabalhadoras não têm carteira de trabalho assinada29. A pesquisa
confirma também que multiplicidade de tarefas do serviço doméstico, sendo as
principais: serviços domésticos em geral, cuidados de crianças, cuidados com pessoas
e cozinhar.
Esses dados ilustram a permanência da colonialidade racial e de gênero nas
atuais relações de trabalho doméstico, fazendo com que este seja, “ainda hoje,
predominantemente, feminino e negro”30. A interseccionalidade, portanto, é
evidente no trabalho doméstico no Brasil, que também é informal e, segundo o IPEA,
está envelhecendo.
Em 2025, foi publicada a pesquisa “O que escondem as casas grandes do Brasil
no século XXI? Um diagnóstico do trabalho escravo no âmbito doméstico”, realizada
pela Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas (CTETP) da Faculdade de
Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que realizou a análise de
118 relatórios de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego referentes às
fiscalizações no trabalho doméstico com foco no combate ao trabalho escravo. As
ações fiscais abarcadas pela pesquisa englobam aquelas realizadas no período de
2017 a 2023, em todo o território brasileiro, tendo sido identificadas 86 ocorrências
em que “foi constatada expressamente a existência de trabalho em condições
análogas a de escravizados, resultando em 92 trabalhadoras domésticas
resgatadas”31. Do total de pessoas resgatadas, 78,26% eram mulheres, 69,55% eram
29 PINHEIRO, Luana; LIRA, Fernanda; REZENDE, Marcela; FONTOURA, Natália. Os desafios do passado
no trabalho doméstico do culo XXI: reflexões para o caso brasileiro a partir dos dados da PNAD
Contínua. Brasília: IPEA, 2019. (Texto para discussão, 2528). Disponível em:
http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/9538. Acesso em: 23 out. de 2023.
30 HADDAD, Carlos Henrique Borlido, MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira, OLIVEIRA, Maria Carolina
Fernandes (coord.). O que escondem as casas grandes do Brasil no século XXI?: um diagnóstico do
trabalho escravo no âmbito doméstico. Belo Horizonte: Editora Expert, 2025. p. 51.
31 HADDAD, Carlos Henrique Borlido, MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira, OLIVEIRA, Maria Carolina
Fernandes (coord.). O que escondem as casas grandes do Brasil no século XXI?: um diagnóstico do
trabalho escravo no âmbito doméstico. Belo Horizonte: Editora Expert, 2025. p. 55.
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BORGES, Caio Afonso; ANABUKI, Luísa N. de Castro. O dano existencial no trabalho escravo doméstico. Revista
Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.8, p. 1-39, 2025. DOI:
https://doi.org/10.33239/rjtdh.v8.180.
pretas ou pardas e a média de duração da submissão à condição análoga à escravidão
foi de 26,8 anos32.
Justifica a alta média de tempo da exploração a relação intrínseca entre o
trabalho infantil doméstico e o trabalho escravo, identificada, por exemplo, na
“adoção de má fé”. Essa adoção, que nada mais é do que uma tentativa de legalizar
a superexploração, manifesta-se por meio de três elementos: “em primeiro lugar, a
ação de captação dessa criança, em segundo, os meios utilizados, tais como o
discurso enganoso das falsas promessas, em terceiro, o fim de exploração”33. O
trabalho infantil também é chave para compreender a baixa escolaridades dessas
trabalhadoras, que, desde cedo, dedicam-se a jornadas longas de trabalho e de
deslocamento, inviabilizando ou, ao menos, dificultando sobremaneira a conciliação
com o desenvolvimento escolar, evidenciando, também a multiplicidade de formas
do trabalho escravo doméstico e a permanência do trabalho infantil neste contexto34.
Em síntese, o trabalho escravo doméstico ainda se apresenta
contemporaneamente como uma marca do racismo e do sexismo na formação da
sociedade brasileira, que constitui processos de naturalização dessas violências por
meio de narrativas como a da “quase da família”35, “do afeto”36 e de imagens de
32 HADDAD, Carlos Henrique Borlido, MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira, OLIVEIRA, Maria Carolina
Fernandes (coord.). O que escondem as casas grandes do Brasil no século XXI?: um diagnóstico do
trabalho escravo no âmbito doméstico. Belo Horizonte: Editora Expert, 2025. p. 59.
33 ARRUDA, Katia Magalhães. O trabalho infantil doméstico: rompendo o conto da Cinderela. Revista
de Informação Legislativa, Brasília, ano 45 n. 178, abr./jun. 2008. Disponível em:
https://www.tst.jus.br/documents/2237892/2544819/Artigo+-
+K%C3%A1tia+Magalh%C3%A3es+Arruda+-
+O+trabalho+infantil+dom%C3%A9stico_rompendo+com+o+conto+da+Cinderela.pdf. Acesso em: 23
out. 2023.
34 KALIL, Renan Bernardi; RIBEIRO, Thiago Gurjão Alves. Trabalho escravo contemporâneo e proteção
social. Revista Eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 9a Região, [Curitiba], v. 11, n. 104,
p. 89-105, out./nov. 2021. Disponível em: https://www.trt9.jus.br/portal/arquivos/7133063 . Acesso
em: 22 mar. 2022.
35 MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira; CAMASMIE, Humberto Monteiro. A permanência da senzala na casa
grande: o mito da democracia racial no trabalho escravo doméstico. In: NUNES, Luísa Anabuki;
CARDOSO, Lys Sobral (org.). Escravidão na interseccionalidade de gênero e raça: um enfrentamento
necessário. Brasília: Ministério Público do Trabalho, 2023. p. 194.
36 PEREIRA, Marcela Rage. A invisibilidade do trabalho escravo doméstico no Brasil: reflexões sobre o
papel do afeto. In: NUNES, Luísa Anabuki; CARDOSO, Lys Sobral (org.). Escravidão na
interseccionalidade de gênero e raça: um enfrentamento necessário. Brasília: Ministério Público do
Trabalho, 2023. p. 194.
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https://doi.org/10.33239/rjtdh.v8.180.
controle37. O que esse panorama revela, quando enfrentado pelo Judiciário, é
justamente, conforme aponta Raquel Santana, a perpetuação de um colonialismo
jurídico38 e por que não de um racismo jurídico?39 na análise de casos análogos,
sobretudo quando se busca restabelecer, ainda que pela lógica falha da
responsabilidade civil, um patamar mínimo de dignidade de pessoas que tiveram toda
sua vida espoliada e explorada em prol da reprodução de um outro e da perpetuação
do poder da branquitude.
2 O dano existencial no trabalho escravo doméstico
Conforme Gabriela Neves Delgado, a dignidade, no campo jurídico, se
consolida pela efetivação dos direitos fundamentais dos sujeitos, que representam
uma proteção à sua existência40. Portanto, é por meio do reforço desses direitos que
se permite ao sujeito não apenas sobreviver, mas viver enquanto ser pleno,
autodeterminado, livre e com fim em si mesmo.
37 BUENO, Winnie. Imagens de controle: um conceito do pensamento de Patricia Hill Collins. Porto
Alegre: Zouk, 2020.
38 SANTANA, Raquel Leite da Silva. As cuidadoras na sala de visita: regulamentação jurídica do
trabalho de cuidado à luz da trilogia de Carolina Maria de Jesus. São Paulo: Editora Dialética, 2022.
p. 174.
39 Em reportagem publicada em 17 de julho de 2023, foi noticiada a prolação de sentença por um Juiz
do Trabalho da Bahia em que não se reconheceu o trabalho escravo doméstico de uma mulher de 53
anos que teria começado a trabalhar para uma família desde os 7 anos de idade. Apesar das mais de
quatro décadas sem remuneração, negação de educação (a vítima não aprendeu a ler e a escrever),
imposição de serviços domésticos e de cuidados dos filhos dos patrões em jornadas de até 15 horas
diárias, bem como a não concessão de férias e de descanso semanal, o Juiz do Trabalho entendeu que
a vítima “nunca encarnou a condição essencial de trabalhadora, mas de integrante da família que ali
vivia, donde se infere que, sob o ponto de vista do direito, jamais houve trabalho e muito menos
vínculo de emprego”. É evidente a naturalização e a manutenção do poder da branquitude pela
narrativa empregada na sentença, que não apenas o considerou a existência de trabalho escravo,
como também escancarou o colonialismo e o racismo jurídico. HOFMEISTER, Naira. Juiz não
trabalho escravo em caso de doméstica sem salário desde os 7. UOL. [S. l.], 17 jul. 2023. Disponível
em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reporter-brasil/2023/07/17/juiz-nao-ve-trabalho-
escravo-em-caso-de-domestica-sem-salario-desde-os-
7.htm?utm_source=twitter&utm_medium=social-media&utm_content=geral&utm_campaign=uol.
Acesso em: 17 jul. 2023.
40 DELGADO, Gabriela Neves. O direito fundamental ao trabalho digno. 2. ed. São Paulo: LTr, 2015.
p. 182-184.
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No mundo do trabalho, a dignidade se faz presente por meio da garantia de
direitos fundamentais nas relações laborais, de modo a preservar a integridade física
e mental do sujeito enquanto este direciona sua força vital na consecão de um
projeto de vida próprio.
A partir da reflexão que se opera sobre a responsabilidade civil em conjunto
com a dignidade da pessoa humana, o direito brasileiro abriu novos caminhos de
tutela do sujeito ao permitir a proteção da subjetividade em seus mais variados
aspectos, aplicando-se indenizações por danos extrapatrimoniais. Com essa
abertura, o dano existencial passou a ser recebido no cenário brasileiro enquanto
instituto jurídico de tutela de uma seara específica da subjetividade.
Segundo Flaviana Rampazzo Soares, o dano existencial compreende uma
alteração prejudicial nas relações familiares, sociais, culturais e afetivas do sujeito
decorrente de um ato ilícito. É uma “lesão ao complexo de relações que auxiliam no
desenvolvimento normal da personalidade do sujeito abrangendo a ordem pessoal ou
a ordem social41. Diante disso, o dano existencial, enquanto instituto que visa a
correção de lesões extrapatrimoniais, pretende garantir a reparação de direitos
fundamentais violados por condutas ilícitas, na tentativa de retomar o patamar de
dignidade do sujeito antes da ofensa. Compreendendo a complexidade da proteção
da subjetividade, a doutrina apontou duas dimensões do referido instituto: o dano
existencial como prejuízo ao projeto de vida e como prejuízo à vida de relações.
Segundo Carlos Fernández Sessarego, o projeto de vida é uma expressão
ontológica da liberdade que depende da realização fática de uma decisão livre42.
Portanto, ele está ligado à liberdade do sujeito para empreender seus esforços no
desenvolvimento da sua personalidade nos mais variados campos da vida, como na
dimensão familiar, afetiva, intelectual, artística, educacional, dentre outras.
41 SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria
do Advogado Editora, 2009. p. 44.
42 SESSAREGO, Carlos Fernández. El “daño a la libertad fenoménica” o “daño al proyecto de vida” en
el escenario jurídico-contemporáneo. Revista de responsabilidad civil y seguros, ano 11, n. 9, p. 1-
3, 2009. Disponível em: http://www.jus.unitn.it/cardozo/Review/2008/Sessarego2.pdf. Acesso em:
6 out. 2021.
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O dano existencial ao projeto de vida decorre, sobretudo, da frustração ou da
imposição de barreiras às legítimas expectativas do sujeito de se desenvolver nos
diversos âmbitos da sua vida. É, assim, uma violação do seu direito de
autodeterminação, de liberdade, em decorrência de um ato ilícito que “ameaça o
sentido que a pessoa atribui à existência”43.
o dano existencial como prejuízo à vida de relações se externaliza no
tolhimento do conjunto de relações interpessoais que o sujeito tem ou pode vir a ter
fora do ambiente de trabalho. São essas conexões intersubjetivas que permitem o
sujeito construir uma história vivencial frutífera, comunicar-se com o mundo
exterior, se reconhecer no outro como forma de integração no meio social e se
afirmar enquanto sujeito de direitos integrante de uma comunidade44.
Em suma, o dano existencial compreende um “sacrifício nas atividades
realizadoras da pessoa, ocasionando uma mudança na relação da pessoa com o que
a circunda”, uma “renúncia forçada a – muitas ou poucas – ocasiões felizes”45 ou até
mesmo uma imposição de “outro modo de reportar-se ao mundo exterior”46.
Portanto, podemos entender o dano existencial como instituto que visa a
proteger o sujeito em uma dimensão mais subjetiva e mais íntima na medida em que
garante substância à vida de relações. Em última instância, ele tem como objetivo
reparar os danos ao desenvolvimento pleno da personalidade pela supressão ilícita
da liberdade das escolhas tomadas em um movimento de valorização da vida privada,
da intimidade, dos próprios direitos da personalidade, dos projetos de vida e de uma
vida de relações saudável e com qualidade47.
43 FROTA, Hidemberg Alves da. Noções fundamentais sobre o dano existencial. Revista eletrônica do
Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, Curitiba, v. 2, n. 22, p. 64, set. 2013.
44 BORGES, Caio Afonso. O dano existencial no trabalho sem pausas dos influenciadores digitais.
São Paulo: Editora Dialética, 2022. p. 102.
45 CENDON, Paolo; ZIVIZ, Patrizia apud ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tutela da
dignidade da pessoa humana. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, São Paulo, v. 12, n.
80, p. 30-31, nov./dez. 2012. Disponível em:
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_consumidor/doutrinas/DANO%20EXISTENCIAL.doc
. Acesso em: 18 set. 2021.
46 SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria
do Advogado Editora, 2009. p. 44-46.
47 BORGES, Caio Afonso. O dano existencial no trabalho sem pausas dos influenciadores digitais.
São Paulo: Editora Dialética, 2022. p. 105.
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https://doi.org/10.33239/rjtdh.v8.180.
Ao procurar apontar a incidência do dano existencial nas relações de trabalho
escravo doméstico, é imprescindível que se identifique quem é o sujeito vítima do
ato ilícito nesses cenários. O trabalho doméstico no Brasil, conforme introduzido no
tópico anterior, é fortemente influenciado por três principais clivagens sociais que
se sobrepõem para eleger uma figura específica como sua protagonista. Assim, raça,
gênero e classe erigem a mulher negra pobre como o sujeito do trabalho doméstico
e, sem dúvidas, do trabalho escravo doméstico, de modo que o presente artigo
procura centralizar sobre ela o debate na tentativa de compreender como se o
dano existencial para essas sujeitas.
Uma outra forma de se compreender a sujeita escravizada reside na relação
estabelecida entre ela e a família que explora seu trabalho no âmbito doméstico,
colocando-a no lugar de vítima do ato ilícito: não existe um reconhecimento
recíproco entre iguais, e sim uma relação de propriedade cujo objeto é a mulher
negra escravizada48, o que evidencia o esvaziamento da sua condição de sujeito de
direitos, consubstanciando o conceito clássico da escravidão49, em que ser “quase da
família” releva dimensão de propriedade e não de pertencimento.
Essa forma de consideração da relação evidencia uma concepção da sujeita
como bem, escancarando como essas dinâmicas relacionais de poder e de submissão
promovem ampla despersonalização e desantropomorfização da mulher negra em
prol do surgimento de uma mercadoria. Não existência e nem valor existencial,
objeto e valor utilitário. A existência, enquanto dependente de um
48 Como exemplo, o caso de Madalena Gorgiano é emblemático, pois a trabalhadora foi “passada como
herança” da senhora escravocrata ao seu filho, reduzindo Madalena à condição de coisa, de
propriedade. Madalena foi inserida na dinâmica familiar como trabalhadora doméstica aos oito de
idade, tendo sido resgatada apenas aos quarenta e seis anos, de modo que ficou 38 anos submetida à
condição de escravizada, período no qual a trabalhadora revela não ter tido amigos, ser proibida de
conversar com outras pessoas e viver dentro de casa. A MULHER da casa abandonada: outras tantas
mulheres. [Locução de]: Chico Felitti. Entrevistadora: Beatriz Trevisan. Entrevistada: Madalena
Gorgiano. São Paulo: Folha de São Paulo, 6 jul. 2022. Podcast. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/podcasts/2022/07/podcast-a-mulher-da-casa-abandonada-discute-
a-escravidao-contemporanea.shtml. Acesso em: 26 jul. 2022.
49 Verifica-se, nesse caso, a consubstanciação no conceito clássico da escravidão como o esvaziamento
da condição de sujeito de direitos para a caracterização dos elementos do direito de propriedade.
CAVALCANTI, Tiago Muniz. Sub-humanos: o capitalismo e a metamorfose da escravidão. São Paulo:
Boitempo, 2021. p. 26.
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reconhecimento intrasubjetivo e intersubjetivo, é totalmente violada, escamoteada
e eliminada.
Nesse cenário, a mulher negra é privada de sua existência ao ver tolhidas
quaisquer possibilidades de desenvolver projetos de vida alheios às vontades de seu
patrão, bem como de estabelecer relações com outras pessoas que não as que
compõem o cleo familiar em que habita e que não é o seu. Repise-se a estreita
relação entre o trabalho escravo doméstico e o trabalho infantil, que, a um tempo,
retira a criança explorada do seio familiar e afetivo e prematuramente a insere no
trabalho, afastando-a do espaço escolar, importante cleo para superação da
pobreza e para a criação de nova teia de relações50. Assim, uma ruptura com as
relações prévias ao trabalho e um impedimento para estabelecer novas relações fora
do espaço laboral.
O afastamento da família ainda criança, o achatamento do mundo que fica
restrito ao âmbito residencial e a impossibilidade de estabelecimento de novas
relações de afeto – sejam de amizades, amorosas ou religiosas - têm impacto direto
na formação e no desenvolvimento da personalidade e na sua exteriorização em
forma de uma vida autônoma e autodeterminada.
A mulher submetida ao trabalho escravo doméstico não apenas encontra
dificuldades de se reconhecer como vítima, mas a própria formação de uma
concepção de si enquanto sujeito é obstaculizada. Isso se dá, sobretudo, em face do
“elevado grau de aceitação cultural dessas práticas”51, que contribui para a
invisibilização da situação da exploração do e para o outro e para a incapacidade de
reconhecimento dessa mesma situação pela vítima. Ainda, o afeto decorrente da
50 Cite-se novamente o caso de Madalena, apontado como “emblemático”, em que, ao questionarem
“o fato de nunca ter estimulado Madalena a retomar os estudos, o empregador atual, filho da diretora
da escola e também professor, respondeu que a vida acadêmica e de pesquisa não era ‘para qualquer
um’”. MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira; CAMASMIE, Humberto Monteiro. A permanência da senzala na
casa grande: o mito da democracia racial no trabalho escravo doméstico. In: NUNES, Luísa Anabuki;
CARDOSO, Lys Sobral (org.). Escravidão na interseccionalidade de gênero e raça: um enfrentamento
necessário. Brasília: Ministério Público do Trabalho, 2023. p.186 e 203.
51 MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira; CAMASMIE, Humberto Monteiro. A permanência da senzala na casa
grande: o mito da democracia racial no trabalho escravo doméstico. In: NUNES, Luísa Anabuki;
CARDOSO, Lys Sobral (org.). Escravidão na interseccionalidade de gênero e raça: um enfrentamento
necessário. Brasília: Ministério Público do Trabalho, 2023. p. 197.
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natureza ambivalente do cuidado no trabalho doméstico também se coloca como um
elemento que ofusca a percepção da vítima em relação à sua condição52.
Essa conformação relacional em que a mulher não consegue se ver como
sujeito de direitos e, como consectário lógico, nem como vítima de uma situação
aviltante obsta o estabelecimento de laços de reconhecimento e impede, em maior
ou menor medida, que ela efetivamente consiga construir uma vida de relações
saudáveis dentro e fora do trabalho.
Ainda, o trabalho escravo doméstico agrega uma nova dimensão que agrava
sobremaneira a condição de exploração da mulher sob a ótica do dano existencial.
Se o dano existencial tradicional busca tutelar o tempo de vida fora do trabalho,
permitindo que o sujeito goze de uma vida desatrelada do labor, quando analisado
pela ótica do trabalho escravo doméstico, percebe-se que é necessária também a
proteção de um espaço de vida alheio ao trabalho53.
A prisão da mulher ao ambiente doméstico decorre normalmente de uma
coação moral e psicológica que articula elementos de gratidão, afeto e emoções para
com a família exploradora e revela sua vulnerabilidade, acentuada pelos anos de
exploração54, que costuram laços afetivos ambíguos55 que podem resultar na
manutenção de relações fundadas em tratamentos desrespeitosos, humilhantes e
degradantes. A situação de vulnerabilidade que cria pretensas amarras morais é
fortalecida também quando compreendido o contexto de afastamento dessas
mulheres ainda crianças ou adolescentes de sua rede de afetos e do território que
conhecem e se localizam.
52 PEREIRA, Marcela Rage. Breve análise do papel do afeto na perpetuação da invisibilidade do
trabalho escravo doméstico no Brasil. Revista do TST, Brasília, v. 88, n. 1, 2022.
53 No trabalho escravo doméstico, é comum a imposição de uma restrição espacial a toda vida da
mulher, amarrando mais um grilhão à negra pobre na contramão da sua luta para existir. A imagem
de um quarto pequeno dentro de uma casa grande, cujas portas aparentam estar abertas, mas não
para ela, limita e restringe seu espaço de vida ao mesmo tempo que projeta uma falsa ilusão de
liberdade.
54 CAVALCANTI, Tiago Muniz. Sub-humanos: o capitalismo e a metamorfose da escravidão. São Paulo:
Boitempo, 2021. p. 129 e 139.
55 DELGADO, Gabriela Neves; MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira; ANABUKI, Luísa Nunes de Castro.
Quando ficar em casa não é seguro: um retrato do trabalho escravo doméstico em tempos de
pandemia. Abya-Yala: Revista sobre acesso à justiça e direitos nas Américas, [Brasília], v. 5, n. 2, p.
23, 2021.
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A imposição de uma restrição espacial à mulher, limitando-a ao espaço da
Casa Grande, implica na necessária sobreposição dos espaços e dos tempos de
trabalho e de o trabalho, o que concorre para a supressão quase que total de
qualquer esfera alheia ao trabalho. “Trabalhava o dia inteiro, trabalhava”56. É
como Madalena Gorgiano recorda de seu tempo na casa da família Milagres Rigueira,
período que durou dos oito aos quarenta e seis anos e durante o qual não teve amigos,
era proibida de conversar com outras pessoas e vivia dentro de casa. Essas
condições, que a privaram de toda e qualquer experimentação da vida, se espelham
nas dimensões do dano existencial, de modo que os projetos de vida são tolhidos em
sua raiz, não sendo possível nem mesmo de concepção. a vida de relações é
inexistente, visto que tem como requisitos para desenvolvimento a liberdade de
locomoção e de existir.
Assim, a violação não apenas de um tempo de não trabalho, mas a imposição
de um espaço de trabalho ubíquo temporalmente, finito espacialmente, controlado
e monitorado representa graves violações às condições de dignidade que compõem
a existência da mulher submetida ao trabalho escravo doméstico.
O lapso temporal ao qual as mulheres são submetidas ao trabalho escravo
doméstico é de suma importância para a caracterização do dano existencial, visto
que, muitas vezes, elas são “levadas para criar” quando ainda bem jovens por uma
família que as incorpora na dinâmica das tarefas domésticas. É o que aponta Tiago
Cavalcanti ao denunciar o elevado:
[...] número de crianças que estão sujeitas à servidão doméstica, pois é
comum que, com a promessa de melhorar suas condições de vida e ter acesso
à educação, os pais confiem seus filhos a parentes ou até estranhos, que os
utilizam como mão de obra não remunerada57.
56 A MULHER da casa abandonada: outras tantas mulheres. [Locução de:]: Chico Felitti.
Entrevistadora: Beatriz Trevisan. Entrevistada: Madalena Gorgiano. São Paulo: Folha de São Paulo. 6
jul. 2022. Podcast. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/podcasts/2022/07/podcast-a-
mulher-da-casa-abandonada-discute-a-escravidao-contemporanea.shtml. Acesso em: 26 jul. 2022.
57 CAVALCANTI, Tiago Muniz. Sub-humanos: o capitalismo e a metamorfose da escravidão. São Paulo:
Boitempo, 2021. p. 131.
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Inúmeros são os exemplos dessa submissão por toda uma vida, como o caso de
Madalena Gorgiano58 que foi retirada de sua família aos 8 anos de idade e
permaneceu como vítima de trabalho escravo doméstico por 38 anos, e de
Aqualtune59 que foi resgatada aos 85 anos de idade, em março de 2022, após 72 anos
de trabalho forçado e muitos outros60.
A esse interstício temporal dilatado para a caracterização do dano existencial,
soma-se a imposição de condições degradantes, em pequeno quarto sem janelas ou
banheiro e sem privacidade; de jornadas extenuantes, exaustivas e excessivas e de
limitações à liberdade de locomoção durante anos, elementos que certamente
impedem o florescer de qualquer projeto de vida e o cultivo de qualquer vida de
relações.
As condições degradantes, as jornadas extenuantes e o local da prestação de
serviços afastado dos centros de referência da trabalhadora e com restrição de
mobilidade são todos elementos que inviabilizam a realização dos projetos de vida e
da vida de relações das trabalhadoras escravizadas no âmbito doméstico. Ainda, essa
situação produz consequências para além do tempo de enclausuramento,
prejudicando a própria reinserção da vítima na sociedade, ou seja, trata-se de fato
ilícito que provoca repercussões negativas na vida da trabalhadora mesmo após o
58 O resgate de Madalena, em 2020, foi um paradigma na política nacional de combate ao trabalho
escravo doméstico no Brasil, tendo sido a partir dele que se pode observar um aumento significativo,
mas ainda tímido, na quantidade de trabalhadoras resgatadas a partir de 2021. Conforme os dados da
plataforma Radar SIT, do Ministério do Trabalho, relativos ao resgate de trabalhadoras domésticas,
em 2017 e em 2018 ocorreram 2 resgates em cada ano, ao passo que em 2019 e em 2020 foram
resgatadas 3 e 5 trabalhadoras respectivamente. em 2021, esse número aumentou para 30 casos,
em 2022 foram 35 casos e em 2023 registrou-se 40 resgates de trabalhadoras domésticas em situação
análoga à de escravo. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria de Inspeção do Trabalho.
Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil. Brasília: SIT, 2025.
Disponível em: https://sit.trabalho.gov.br/radar/. Acesso em: 5 fev. 2025.
59 HADDAD, Carlos Henrique Borlido; MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira; OLIVEIRA, Maria Carolina
Fernandes (coord.). O que escondem as casas grandes do Brasil no século XXI?: um diagnóstico do
trabalho escravo no âmbito doméstico. Belo Horizonte: Editora Expert, 2025. p. 230-235.
60 Pesquisa realizada pela Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG) identificou, dentre 373 autos de fiscalização referentes ao período de 2004 a
2017 no estado de Minas Gerais, apenas um caso de trabalho escravo doméstico. Trata-se do caso de
uma mulher de 68 anos de idade submetida a jornadas exaustivas, condições degradantes de trabalho
e restrição da liberdade de locomoção (acentuada pela localização rural). HADDAD, Carlos Henrique
Borlido; MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. Trabalho escravo: entre os achados da fiscalização e as
respostas judiciais. Florianópolis: Tribo da Ilha, 2018.
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resgate. Portanto, a condição de submissão ao trabalho escravo doméstico, pelas
suas particularidades, afeta de forma complexa a personalidade das mulheres
vítimas, implicando prejuízos sobre suas relações familiares, sobre a possibilidade
de se ter uma vida autônoma, de se inserir no mercado de trabalho ou se relacionar
com outras pessoas posteriormente, ceifando projetos de vida e relações pessoais.
O que se tem é um quadro clínico em que o principal sintoma é a naturalização
da violação de direitos fundamentais como forma de perpetuação de condições de
trabalho degradantes para a população negra e de permanência das relações de
servidão na sociedade contemporânea61.
Assim, é evidente a presença de danos existenciais nas relações de trabalho
escravo domésticas em face da ofensa ao patamar mínimo de direitos, dentre os
quais se destacam o direito à liberdade e aos direitos da personalidade, essenciais
para a autodeterminação e para a construção das identidades dessas mulheres. Isso
porque são elementos que permitem aflorar a “capacidade do indivíduo de se tornar
alguém cujas ações correspondam às opiniões e vontades próprias, e não aos
interesses de outra pessoa”62.
A partir desse cenário, pode-se compreender que o dano existencial visa a
proteger a integridade extrapatrimonial das sujeitas por meio da tutela de situações
de violação de direitos fundamentais que geram danos ao projeto de vida e/ou
prejuízos à vida de relações. No caso do trabalho escravo doméstico, as mulheres
vítimas têm violados seus direitos à limitação da jornada de trabalho, ao lazer, à
saúde, à segurança, à higiene, à educação, à profissionalização, ao convívio familiar,
à desconexão, à liberdade, à autonomia, à privacidade, à intimidade, ao meio
ambiente de trabalho equilibrado e, sobretudo, à dignidade. Também é evidente a
violação nítida do direito à não discriminação, uma vez que a mulher negra e pobre
é, por excelência, a sujeita vítima do trabalho escravo doméstico.
61 ALVES, Raissa Roussenq. Entre o silêncio e a negação: trabalho escravo contemporâneo sob a ótica
da população negra. Belo Horizonte: Letramento, 2019. p. 55.
62 CAVALCANTI, Tiago Muniz. Sub-humanos: o capitalismo e a metamorfose da escravidão. São Paulo:
Boitempo, 2021. p. 49.
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Diante disso, percebe-se que a situação análoga à de escravo, sobretudo no
âmbito doméstico, impõe um quadro sistemático de violação de direitos
fundamentais, que se prestam a muito mais do que garantir apenas a sobrevivência
das vítimas. Os direitos fundamentais têm como objetivo garantir que o sujeito goze
de suas potencialidades, desfrutando da vida ao máximo e aperfeiçoando-se como
tal. Em última instância, buscam propiciar condições para que as pessoas possam
viver ao atribuir sentido à sua existência pela valorização da sua dignidade.
Segundo Tiago Cavalcanti, a condição de escravizado tem como premissa a
impossibilidade de o sujeito ter o domínio sobre sua pessoa, o que impõe obstáculos
à construção da sua individualidade e à liberdade de caminhos para se constituir
como ser, escolher seus próprios projetos de vida e de agir conforme seu
pensamento. Na relação de trabalho escravo doméstico, aviltada de seus direitos
fundamentais, a mulher negra “até pode ter vontades, mas não consegue realizá-las.
Ela não tem, assim autonomia, autodeterminação, livre-arbítrio. Não é, enfim, a
protagonista da própria história”63, revelando, assim, a destituição de tudo aquilo
que compõe sua subjetividade e, consequentemente, o patente dano existencial.
3 A caracterização do dano existencial pelo Tribunal Superior do Trabalho:
possibilidades de reconhecimento nos casos de trabalho escravo doméstico
Inicialmente, esclarecemos que a pesquisa se valeu de estudos pretéritos que
identificaram o padrão decisório do TST com relação ao dano existencial para
perquirir se, para além de uma correlação teórica, seria possível o reconhecimento
judicial de uma violação à esfera existencial das mulheres submetidas ao trabalho
escravo doméstico. Além disso, realizamos pesquisa no repositório de jurisprudência
do Tribunal Superior do Trabalho a partir do filtro “Trabalho em Condições Análogas
à de Escravo”, no campo “Assunto”. Foram identificadas 41 ocorrências, de modo
63 CAVALCANTI, Tiago Muniz. Sub-humanos: o capitalismo e a metamorfose da escravidão. São Paulo:
Boitempo, 2021. p. 27.
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que, procedendo à análise dos acórdãos, localizamos apenas um caso64, julgado em
2023, e de relatoria da Ministra Liana Chaib65, em que houve condenação dos
empregadores em danos morais individuais, no valor de R$ 350.000,00, e danos
morais coletivos no valor de R$ 200.000,00, por submissão de trabalhadora doméstica
à situação análoga à de escravo. Verificamos, no entanto, ausência de
caracterização específica de dano moral existencial.
Diante da amostra reduzida de casos apreciados pelo TST sobre o tema
específico do artigo, nos propomos a realizar um cotejo entre o que a literatura
dispõe sobre as circunstâncias do trabalho escravo doméstico com o que se reconhece
como dano existencial, para fins de apontar a correlação entre as características do
primeiro com as hipóteses de verificação do segundo.
O dano existencial, enquanto instituto inicialmente noticiado nos
pronunciamentos justrabalhistas aproximadamente 13 anos, ainda encontra
dificuldades para se consolidar como instrumento de reparação de danos causados
por conduta ilícita à esfera extrapatrimonial de um sujeito. No âmbito do Tribunal
Superior do Trabalho, no período entre a promulgação da Emenda Constitucional
45/2004 e o dia 16 de março de 2018, Maria Cecília Lemos identificou um total de
141 processos que continham o termo “dano existencial” em sua ementa66.
64 Verificamos também a existência do AIRR-891-35.2010.5.22.0001, julgado pela Turma, de
Relatoria da Ministra Delaide Miranda Arantes, com acórdão publicado em 06/06/2014. O referido
processo se trata de Agravo de Instrumento interposto contra decisão de Tribunal Regional que
denegou seguimento ao Recurso de Revista dos reclamantes em caso de trabalho escravo infantil
doméstico. O acórdão negou provimento ao Agravo de Instrumento, por entender que não houve
negativa de prestação jurisdicional, mantendo decisão do Tribunal Regional que reconheceu o
trabalho doméstico infantil e as condições de trabalho degradantes às quais as vítimas foram
submetidas, bem como estabelecendo condenação em danos morais. No entanto, o acórdão regional
não reconhece expressamente que os danos morais visam indenizar as vítimas com relação à situação
de submissão ao trabalho escravo, indicando como motivo apenas os maus tratosque as vítimas
sofreram. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho (2. Turma). AIRR-891-35.2010.5.22.0001. Relatora:
Ministra Delaide Miranda Arantes. Pesquisa de jurisprudência. Julgado em 6 jun. 2014. [Brasília: TST,
2014].
65 Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MPT, juntamente com a DPU, para tutelar direitos
individuais de trabalhadora doméstica reduzida, por mais de 20 anos de 1998 a 2020 -, à condição
análoga à de escravo. BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho (2. Turma). Recurso de Revista com
Agravo 1000612-76.2020.5.02.0053. Relatora: Ministra Liana Chaib. Pesquisa de jurisprudência.
Julgado em 18 out. 2023. [Brasília: TST, 27 out. 2023].
66 LEMOS, Maria Cecília de Almeida Monteiro. O dano existencial nas relações de trabalho
intermitentes: reflexões na perspectiva do direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr,
2020. p. 196-197.
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A pesquisadora fez uma triagem dos acórdãos de acordo com o ramo
econômico da empresa reclamada e identificou que as principais atividades que
estimulam a judicialização de demandas pleiteando indenização por danos
existenciais dizem respeito ao ramo dos supermercados (26,98%), de transportadoras
(20,63%) e da agroindústria (11,11%)67. Em nenhum dos processos analisados foi
identificada uma relação de trabalho doméstico.
Outro dado emblemático é o que diz respeito à violação alegada pela vítima,
ou seja, a causa de pedir da indenização por dano existencial. Segundo o
levantamento feito por Maria Cecília Lemos, a jornada excessiva e a jornada
exaustiva, somadas, são o motivo que embasa o pedido de 91,49% dos casos, seguidos
da ausência de férias (2,84%). No entanto, do total de 91,49%, a jornada excessiva
representa 83,69% dos casos, ao passo que a jornada exaustiva compreende apenas
7,8% do montante total68.
Neste ponto, importa destacar que existe uma distinção entre jornada
excessiva e jornada exaustiva, sobretudo considerando que a primeira se refere ao
número de horas trabalhadas e a segunda decorre de situações em que há obrigação
de trabalhar por períodos prolongados e/ou intensos, de modo que expõem a saúde
e a segurança do sujeito a riscos. Segundo Luísa Anabuki e Lucas de Freitas, quanto
mais desgastante a atividade, menor a jornada necessária à tipificação69.
O Tribunal Superior do Trabalho, no julgamento dos Embargos em Recurso de
Revista 402-61.2014.5.15.003070 pela Subseção Especializada em Dissídios
Individuais (SBDI-1), assentou a tese de que a imposição de jornadas excessivas
67 LEMOS, Maria Cecília de Almeida Monteiro. O dano existencial nas relações de trabalho
intermitentes: reflexões na perspectiva do direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr,
2020. p. 201.
68 LEMOS, Maria Cecília de Almeida Monteiro. O dano existencial nas relações de trabalho
intermitentes: reflexões na perspectiva do direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr,
2020. p. 202.
69 ANABUKI, Luísa Nunes de Castro; FREITAS, Lucas Daniel Chaves de. O trabalho rural e a efetivação
do trabalho digno no campo: caminhos para a erradicação do trabalho escravo contemporâneo. In:
DELGADO, Gabriela Neves (org.). Direito fundamental ao trabalho digno no século XXI: desafios e
reinterpretações para as relações de trabalho rurais, urbanas e de serviços. 2. São Paulo: LTr, 2020.
V. 2. p. 78.
70 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais. Embargos
em Recurso de Revista 402-61.2014.5.15.0030. Relator: Ministro Vieira de Mello Filho. Pesquisa de
jurisprudência. Julgado em 29 out. 2020. [Brasília: TST, 27 nov. 2021].
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habitualmente não seria apta a provocar o reconhecimento do dano existencial in re
ipsa, de modo que dependeria da efetiva comprovação da ocorrência do dano ao
projeto de vida ou à vida de relações. Dessa forma, a constatação pelas instâncias
ordinárias do quadro fático em que presente o ato ilícito de submissão de trabalhador
a jornada excessiva não seria suficiente para caracterização do dano existencial,
devendo ser comprovado que tal situação ensejou danos ao projeto de vida e à vida
de relações do trabalhador demandante.
No entanto, a prova do referido dano impõe ônus de difícil satisfação pelo
trabalhador em razão (i) do seu caráter imaterial o passível de mensuração
econômica, (ii) do seu caráter sequencial-temporal e (iii) do caráter de
potencialidade do dano ao projeto de vida71. De toda forma, pelos parâmetros
estabelecidos pelo TST, “não se mostra suficiente a constatação de um ato ilícito
(impor jornadas exaustivas e excessivas) para se entender exigível a reparação por
danos existenciais”, de modo que, ao exigir a prova do dano, se “enfraquece o
próprio sentido normativo da legislação trabalhista e cria uma zona de flexibilização
de direitos em que eles não são ‘suficientemente violados’ para que”72 seja
reivindicada uma reparação.
A relação de trabalho escravo doméstico seja por vilipêndio à possibilidade
de desenvolvimento de personalidade completa, capaz de determinar-se de forma
autônoma e independente, seja por ter que abandonar e não poder desenvolver
relações interpessoais - causa lesão à esfera não patrimonial da vítima, para além do
que se conceitua como dano moral, extrapolando para lesão a toda a sua existência
passada, presente e futura. O dano à vida de relações e ao projeto de vida se
evidencia, em especial, pelos traços de prolongamento temporal em condições
degradantes, submissão a jornadas exaustivas e constrição da trabalhadora ao
âmbito da residência, com restrição de sua locomoção.
71 BORGES, Caio Afonso. O dano existencial no trabalho sem pausas dos influenciadores digitais.
São Paulo: Editora Dialética, 2022. p. 133.
72 BORGES, Caio Afonso. O dano existencial no trabalho sem pausas dos influenciadores digitais.
São Paulo: Editora Dialética, 2022. p. 135.
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A correlação entre as características dos casos de trabalho escravo doméstico
com os requisitos para identificação do dano existencial é sobressaltada quando
analisamos a principal causa de pedir apreciada pela Corte Trabalhista (jornada
excessiva) e a característica marcante dos longos períodos de tempo aos quais as
trabalhadoras são submetidas às condições análogas à de escravo no âmbito
doméstico. As jornadas excessivas enquanto causadoras do dano existencial se
justificam por privar o/a trabalhador/a do tempo fora do trabalho, tempo que
poderia ser destinado à construção da sua vida de relações ou dos seus projetos de
vida. Portanto, quando os dados apontam uma média de 26,8 anos de submissão à
condição análoga à escravidão no âmbito doméstico somada a condições degradantes
e restrição de locomoção, acreditamos serem estas condições fáticas extremas
suficientes para o reconhecimento do dano existencial.
Em razão da moldura fática particular desses casos, entendemos que
margem para impulsionar uma atuação litigante estratégica que estabeleça uma
distinção com relação ao precedente do TST, no qual se discutia se a imposição de
jornadas excessivas gera, por si só, dano existencial in re ipsa. Ao não reduzir a
situação de submissão da trabalhadora doméstica à condição análoga à de escravo
apenas ao elemento da jornada de trabalho (devendo ser considerada em conjunto),
é possível argumentar que a constatação desse fato ilícito constitui quadro fático
que pressupõe o dano existencial. Pela ausência de identidade com o precedente da
SBDI-1, abre-se uma possibilidade de reconhecimento do dano existencial presumido
para fins de tutela da vida de relações e dos projetos de vida das vítimas de trabalho
escravo doméstico.
No entanto, ainda que se aplique interpretação no sentido de exigência da
prova do dano, os casos em que há resgate de trabalhadoras submetidas ao trabalho
escravo doméstico usualmente contam com a atuação dos órgãos de fiscalização do
trabalho e são acompanhados de autos de infração ou relatórios de diligência,
documentos aptos a servirem de prova para embasar o pedido de dano existencial,
sobretudo se apontadas referências à separação da família e à intermediação e
vigilância do contato da vítima com outras pessoas.
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A política pública de erradicação ao trabalho escravo contemporâneo vem
reconhecendo, cada vez mais, a necessidade de robustecimento do atendimento à
vítima após o resgate, o que se mostra de acentuada importância nas hipóteses de
resgate em âmbito doméstico73. Essa fase deve ser acompanhada por equipe
multidisciplinar, em que o papel da assistência social74 e do atendimento psicológico,
dentre outros, é fundamental. Assim, em casos em que se exija a prova do dano, a
atuação desses profissionais pode e deve ser considerada, inclusive como prova
técnica.
Diante disso, é de se esperar que nas ações judiciais sobre trabalho escravo
doméstico, o pedido e a indenização por danos existenciais estejam presentes, de
forma a assinalar uma tentativa de reparação integral dos prejuízos causados à vida
de relações e aos projetos de vida do(a) trabalhador(a), bem como de punir
pedagogicamente aquele que faz as vezes de senhor(a).
No entanto, não é esse o panorama revelado por uma pesquisa da Clínica de
Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Minas Gerais (CTETP/UFMG), que mapeou as sentenças penais e
trabalhistas relativas ao trabalho análogo à escravidão na Justiça Federal e na Justiça
do Trabalho em âmbito nacional, envolvendo todos os estados brasileiros75.
A pesquisa da CTETP apurou as informações a respeito da existência ou não
de pedido de dano moral individual e coletivo, bem como se o pedido foi acatado e
73 Nessa linha, em 2021, houve a aprovação do Fluxo de Atendimento às Vítimas de Trabalho Escravo
pela da Comissão Nacional de Erradicação ao Trabalho Escravo, por meio da Portaria nº 3.484/2021 -
BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Gabinete da Ministra. Portaria
3.484, de 6 de outubro de 2021. Torna blico o Fluxo Nacional de Atendimento às Vítimas de Trabalho
Escravo no Brasil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, ed. 191, p. 64, 7 out. 2021. Disponível
em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/portarias/portaria-no-3-
484-de-6-de-outubro-de-2021. Acesso em: 21 fev. 2025.
74 XAVIER, Francisco. 3ª Semana: o SUAS no combate ao trabalho escravo e ao tráfico de pessoas. In:
BRASIL. Escola Superior do Ministério Público do Trabalho. Atuação dos profissionais da rede de
acolhimento e atendimento social das vítimas de trabalho escravo. [Brasília]: ESMPU, [2019?]. 19
p. Conteúdo de curso EaD da ESMPU. Disponível em: https://escola.mpu.mp.br/plataforma-
aprender/acervo-educacional/conteudo/atuacao-dos-profissionais-da-rede-acolhimento-e-
atendimento-social-das-vitimas-de-trabalho-escravo/conteudo_3a_semana_xavier.pdf. Acesso em: 9
fev. 2025.
75 HADDAD, Carlos; MIRAGLIA, Lívia; SILVA, Bráulio. Trabalho escravo na balança da justiça. Belo
Horizonte: Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Faculdade de Direito da UFMG, 2020.
p. 7.
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o valor da indenização arbitrada em sentença. Nota-se que a pesquisa não traz
referência ao dano existencial, mas sim ao dano moral individual. O manejo léxico
que opera uma substituição da expressão “existencialpor “moral individual” não
decorre de puro e simples desconhecimento a respeito da distinção entre os
institutos da responsabilidade civil. Cientes da dificuldade de articulação e de
reconhecimento do dano existencial nos Tribunais Trabalhistas, cada vez mais as
instituições e a defesa dos trabalhadores escravizados passam a escondê-lo sob o
manto do dano moral individual, uma vez que este tem maior aceitação pelas
instâncias juslaborais76.
A par da alteração da nomenclatura, ressalta-se que, do total amostral, em
66,4% das ões civis públicas77, o foi formulado o pedido de dano moral individual;
em 17,6% dos processos este pedido foi feito e em 16% o se localizou a petição
inicial. O valor mais alto requerido e pago a título de dano moral individual se deu
no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 14ª Região, no montante de 12
milhões de reais e o valor mais baixo foi da ordem de R$ 3.000,00 (três mil reais),
no TRT da 3ª Região.
O manejo exclusivo e conglobante dos danos extrapatrimoniais sob tulo de
“danos morais” e sua baixa presença nas ações civis públicas tornam, no âmbito dos
processos coletivos, mais restrito o espaço para debate de uma possível
caracterização de dano existencial.
Assim, percebe-se que, apesar da possibilidade de enquadramento do trabalho
escravo doméstico como causador de dano existencial, não foram localizados casos
76 Quando as ações se referem ao dano moral individual, elas buscam tutelar os bens extrapatrimoniais
dos(as) trabalhadores(as) submetidos(as) à condição análoga à escravidão de forma ampla, abarcando
também os prejuízos ao projeto de vida e à vida de relações de cada um. Trata-se, portanto, de
estratégia dos litigantes para conseguir uma reparação minimamente justa dos danos infligidos, que
certamente seria minorada pelo não reconhecimento da indenização a título de danos existenciais
não obstante sua patente presença nos casos que versam sobre trabalho escravo e a possibilidade de
cumulação com o dano moral individual.
77 O baixo percentual de pedidos de danos morais individuais se justificaria por se tratarem de ações
civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho, que “comumente pleiteia a reparação
pelos danos causados ao patrimônio ideal da coletividade e dos trabalhadores submetidos à condição
análoga à de escravo”. HADDAD, Carlos; MIRAGLIA, Lívia; SILVA, Bráulio. Trabalho escravo na balança
da justiça. Belo Horizonte: Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Faculdade de Direito
da UFMG, 2020. p. 224.
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no TST que o reconheceram. Ademais, o uso do instituto do dano moral para englobar
todas as formas de dano extrapatrimonial restringe a discussão sobre as suas
especificidades e sobre as possibilidades de tutela particular sobre as diferentes
searas da subjetividade humana afetadas pelo trabalho.
Como exemplo, o caso de Madalena, mencionado ao longo do texto, exige o
reconhecimento da ocorrência de dano existencial. Se o aliciamento da menina para
submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo, a imposição de trabalhos
domésticos forçados e de jornadas exaustivas, a restrição de locomoção, o
cerceamento do uso de meios de transporte para retê-la no local de trabalho, a
privação do desenvolvimento escolar tudo isso durante trinta e oito anos –, bem
como o emblemático episódio em que a professora-senhora passou-lhe como
“herança” ao filho, evidenciando a condição de coisa a que fora submetida, não
constituírem prova, por si só, de danos ao projeto de vida e à vida de relações de
Madalena, não se pode cogitar outros casos que mereçam a aplicação do instituto do
dano existencial.
Nesse cenário, podemos chegar a três conclusões. A primeira delas é que a
Justiça do Trabalho impõe barreiras ao reconhecimento do dano existencial nos casos
em que verificadas jornadas excessivas, ao exigir que o reclamante produza provas
dos prejuízos ao projeto de vida e à vida de relações, além da constatação da
ilicitude da situação fática, que por si gera danos. Essa postura acaba por
enfraquecer a aplicação do instituto do dano existencial ao atribuir ao trabalhador
ônus de difícil satisfação. Caso essa interpretação seja aplicada a uma situação de
trabalho escravo doméstico, é impensável impor à trabalhadora reduzida em sua
dignidade que se coloque ciente da sua condição e que produza provas das
circunstâncias aviltantes sem que tenha os meios hábeis para tanto ou mesmo sem
que a prática represente revitimização desnecessária.
A segunda conclusão é que os agentes que atuam na reparação dos direitos
das pessoas vítimas de trabalho em condição análoga à de escravo, muito menos no
doméstico, não têm articulado o instituto do dano moral existencial. Isso se (i)
pela baixa incidência de pedidos de indenizações individuais nas ações civis públicas
analisadas, o que é agravado (ii) diante dificuldade de reconhecimento do dano
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existencial pela Justiça do Trabalho, fato já considerado na estratégia litigante. Nos
casos em que é exigida indenização individual, essa é feita pela via do dano moral
individual e não pelo dano existencial consequência da baixa e difícil receptividade
deste último na Justiça Laboral e da exigência de constatação do dano de difícil
comprovação –, o que corrobora com o esvaziamento do instituto do dano existencial
como instrumento de tutela da dignidade dos trabalhadores.
A última conclusão que se delineia, a partir das duas anteriores, é a de que
não vinculação do instituto do dano existencial seja pela Justiça do Trabalho ou
pelos agentes processantes nos casos em que trabalho em condições análogas à
de escravo no âmbito doméstico. Apesar de reconhecido pela doutrina e pela
jurisprudência trabalhista e homenageado com a positivação expressa no texto da
Consolidação das Leis do Trabalho pela Lei 13.467/201778, o dano existencial,
enquanto instrumento de tutela da esfera extrapatrimonial subjetiva, individual,
coletiva e social dos trabalhadores – mobilizada pelos projetos de vida e pela vida de
relações –, não encontra terreno fértil para sua aplicação prática.
Diante disso, argumentamos que o reconhecimento judicial ou
extrajudicialmente de que o trabalho escravo doméstico por si só representa dano
existencial potencializa a reparação das vítimas na medida em que reconhece maior
complexidade e profundidade ao dano causado, extrapolando a dimensão específica
e localizada, e a exacerbando para compreender o impacto em todo o projeto de
vida das vítimas ou no empobrecimento do potencial de vida de relações.
Frise-se que a missão constitucional atribuída ao Ministério Público é a defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis. Desta feita, cabe a esta instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, refletir sobre a imperiosidade de articular, mesmo em ações
civis públicas, a reparação específica aos danos patrimoniais e extrapatrimoniais dos
78 BRASIL. Presidência da República. Lei 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das
Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nº6.019,
de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de
adequar a legislação às novas relações de trabalho. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano
154, n. 134, p. 1, 14 jul. 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
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trabalhadores envolvidos, em especial, diante das limitações das capacidades
institucionais de outros órgãos do Sistema de Justiça.
Sendo o Ministério Público do Trabalho ator destacado na Política Pública de
erradicação ao trabalho escravo79, com proeminência na defesa dos trabalhadores
submetidos a tais práticas, deve, portanto, atuar como litigante estratégico para
demonstrar a correlação estreita entre o dano existencial e o trabalho escravo
doméstico, com especial destaque por suas características fático-jurídicas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As considerações acima nos indicam que as circunstâncias que configuram o
trabalho escravo doméstico no Brasil apontam para impactos na subjetividade e na
esfera extrapatrimonial das vítimas que extravasam para danos ao projeto de vida e
para a vida de relações dessas mulheres, esvaziando-as em sua potencialidade e
afastando-as de seus afetos. Desta forma, a caracterização do dano existencial
encontra estreita sintonia com a situação das vítimas, de modo que entendemos que
sua mera constatação deveria ensejar a reparação por danos existenciais.
Apesar disso, verifica-se a escassa referência ao instituto e a apresentação de
um cenário árido quanto à utilização do dano existencial como mecanismo de
responsabilidade civil que visa a reparar danos extrapatrimoniais à personalidade das
trabalhadoras.
No contexto do trabalho escravo doméstico, o chamado para os defensores das
trabalhadoras escravizadas, seja em âmbito individual ou coletivo, para o uso do
instituto é urgente. Esconder o dano existencial sob o guarda-chuva do dano moral é
apagar a dimensão mais nefasta do trabalho escravo doméstico: o esmagamento da
personalidade da trabalhadora restringindo-a à uma função, com a consequente
79 ANABUKI, Luísa Nunes de Castro. Transversalidade de gênero na agenda da política pública de
erradicação ao trabalho escravo no Brasil. 2022. 169 f., il. Dissertação (Mestrado em Direito)
Universidade de Brasília, Brasília, 2022. Disponível em:
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obliteração das relações que só podem se originar, ao mesmo tempo em que criam,
de uma vida plena.
Nesse contexto, as condenações por dano existencial adquirem uma nova
significação que visa, primeiro, a reconhecer situações de aviltante violação de
direitos fundamentais que têm suas raízes na colonialidade de raça e de gênero. Em
um segundo momento, a mobilização do instituto como ferramenta de reparação da
responsabilidade civil pode tensionar a estrutura colonial e patriarcal que conforma
a sociedade brasileira e, por consequência, o Direito e a Justiça do Trabalho, na
medida em que, além do caráter reparatório, ressalta o caráter pedagógico e
simbólico do instituto.
Trata-se, portanto, de recurso técnico-jurídico uma vez que a literatura
sobre responsabilidade civil diferencia o dano existencial do dano moral
compreendendo que tutelam bens jurídicos distintos –, mas também simbólico no
sentido de abertamente reconhecer as origens e as razões da permanência do
trabalho escravo doméstico e que as suas consequências recaem sobre os corpos
específicos das mulheres negras. Nesses termos, sua utilização, a partir de
julgamentos com perspectiva de raça e gênero, pode ser compreendida, ainda, como
ferramenta que aponta para a descolonização do aparato justrabalhista e para a
garantia de dignidade às trabalhadoras.
Exigir, no entanto, a comprovação do dano - e não a sua presunção a partir do
reconhecimento de situação de exploração de trabalho escravo doméstico - pode
representar uma contradição aos próprios elementos do tipo e uma restrição ao
reconhecimento do direito por parte das trabalhadoras vítimas.
A proposta que se lança é de que os casos de trabalho escravo doméstico
devem ser mobilizados como oportunidades para consolidar a aplicação do dano
existencial, dada a correlação fático-jurídica entre as condições usualmente
verificadas na realidade das vítimas e os requisitos para sua caracterização.
Acreditamos que, ao identificar essa relação, abrem-se possibilidades de
reconhecimento do dano existencial pelas instâncias justrabalhistas nas mais diversas
relações de trabalho, uma vez constatadas situações que ensejam atos ilícitos e que
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tenham a potencialidade de causar prejuízos aos projetos de vida e à vida de relações
dos(as) trabalhadores(as).
Essa esperança se justifica pela posição extrema na escala de violação de
direitos fundamentais e humanos em que o trabalho escravo doméstico se coloca,
bem como nas suas raízes colonialista, racista e sexista.
Ademais, reforça-se o papel e a missão do Ministério Público do Trabalho, em
sua atuação de reparação dos direitos das vítimas e da coletividade atingidas, de
provocar o reconhecimento da pertinência do instituto do dano existencial ao nível
de comprometimento subjetivo e extrapatrimonial das mulheres submetidas a
trabalho escravo doméstico. Sendo, desta forma, possível promotor da construção
de um novo patamar decisório que reconheça, ao menos para essas vítimas, a
caracterização do dano existencial e que avance na desconstrução de um
colonialismo jurídico que sistemática e sistemicamente reforça relações de
dominação com base em raça, gênero e classe.
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Caio Afonso Borges
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Constituição e Cidadania (UnB/CNPq). Lattes: http://lattes.cnpq.br/1985649258696413.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4262-7445. E-mail: caioaborges8@gmail.com.
Luísa Nunes de Castro Anabuki
Mestra em Direito, Estado e Constituição pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade de Brasília (PPGD-UNB), sublinha Internacionalização, Trabalho e
Sustentabilidade. Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pelo IDP (2016)
e em Direito Aplicado ao Ministério Público do Trabalho pela Escola Superior do Ministério
Público da União (ESMPU). Procuradora do Trabalho (MPT).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5514622343100860. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7377-
7246. E-mail: luanabuki@gmail.com.