Recebido em: 19/09/2024
Aprovado em: 12/02/2025
Neoliberalismo ou nova Onda Rosa?
Perspectivas de um giro racional a partir da pauta
trabalhista
Neoliberalism or new Pink Tide?
Perspectives of a rationality shift
through the labor agenda
¿Neoliberalismo o nueva Marea Rosa?
Perspectiva de un giro racional desde la
agenda laboral
Renata Queiroz Dutra
Universidade de Brasília (UnB)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8383070129847806
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0736-8556
Juliana Scandiuzzi
Universidade de Brasília (UnB)
Lattes: http://lattes.cnpq.br/9892514224991960
ORCID: https://orcid.org/0009-0009-0984-545X
RESUMO
Introdução: A propagação do neoliberalismo subverteu a lógica protetiva do
direito do trabalho, transpondo o contratualismo e a concorrência às
relações trabalhistas, num receituário amplamente aplicado à América
Latina.
Objetivo: Este artigo tem por objetivo investigar como a racionalidade
neoliberal é verificada nas mudanças na legislação trabalhista e como
manifestações relativas à pauta do trabalho podem sinalizar um giro
racional.
Metodologia: O presente estudo se vale de revisão bibliográfica
multidisciplinar e análise documental.
Resultado: A eleição de governos à esquerda não representa um giro
racional, mas apenas uma atenuação do Estado em sua face social, mantidas
as tendências neoliberais. Mudanças efetivas, que ultrapassem o plano
simbólico/discursivo, deverão ser observadas ao longo de seu desenrolar.
Conclusão: As normas concorrenciais se alastraram pela sociedade,
invadindo as relações trabalhistas e a regulação estatal do trabalho. Este
fenômeno é observado não apenas no Brasil, mas também em outros países
latino-americanos, sendo certo que o capital financeiro internacional
desempenhou importante papel na expansão do neoliberalismo e,
consequentemente, no desmonte do Estado Social.
PALAVRAS-CHAVE: maré rosa; racionalidade neoliberal; reforma
trabalhista.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
DUTRA, Renata Queiroz; SCANDIUZZI, Juliana. Neoliberalismo ou nova Onda Rosa? Perspectivas de um giro racional a
partir da pauta trabalhista. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.8, p. 1-35, 2025.
DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v8.238.
ABSTRACT
Introduction: The spread of neoliberalism has subverted the protective logic
of labor law, transferring contractualism and competition to labor relations,
a pattern widely applied in Latin America.
Objective: This article aims to investigate how neoliberal rationality is
reflected in changes in labor legislation and how manifestations related to
labor issues may represent a rational shift.
Methodology: The present study draws on a multidisciplinary literature
review and document analysis.
Results: The election of leftist governments does not represent a rational
shift but only a softening of the state’s social role, with neoliberal trends
maintained. Effective changes, beyond the symbolic/discursive level, should
be observed as events unfold.
Conclusion: Competitive norms have spread throughout society, invading
labor relations and the state's regulation of work. This phenomenon is
observed not only in Brazil but also in other Latin American countries, with
international financial capital playing a significant role in the expansion of
neoliberalism and, consequently, in the dismantling of the Social State.
KEYWORDS: labor reform; neoliberal rationality; pink tide.
RESUMEN
Introducción: La propagación del neoliberalismo ha subvertido la gica
protectora del derecho laboral, trasladando el contractualismo y la
competencia a las relaciones laborales, una receta ampliamente aplicada
en América Latina.
Objetivo: Este artículo tiene como objetivo investigar cómo la racionalidad
neoliberal se refleja en los cambios en la legislación laboral y cómo las
manifestaciones relacionadas con la cuestión laboral pueden señalar un giro
racional.
Metodología: El presente estudio se basa en una revisión bibliográfica
multidisciplinaria y un análisis documental.
Resultados: La elección de gobiernos de izquierda no representa un giro
racional, sino sólo una atenuación del Estado en su función social,
manteniéndose las tendencias neoliberales. Los cambios efectivos (que
vayan s aldel plano simbólico/discursivo) deberán observarse a lo largo
de su desarrollo.
Conclusión: Las normas competitivas se han extendido por la sociedad,
invadiendo las relaciones laborales y la regulación estatal del trabajo. Este
fenómeno se observa no solo en Brasil, sino también en otros países
latinoamericanos, siendo claro que el capital financiero internacional ha
desempeñado un papel importante en la expansión del neoliberalismo y, en
consecuencia, en el desmantelamiento del Estado Social.
PALABRAS CLAVE: marea rosa; racionalidad neoliberal; reforma laboral.
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Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
DUTRA, Renata Queiroz; SCANDIUZZI, Juliana. Neoliberalismo ou nova Onda Rosa? Perspectivas de um giro racional a
partir da pauta trabalhista. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.8, p. 1-35, 2025.
DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v8.238.
INTRODUÇÃO
As eleições de 2022 no Brasil abriram espaço para pensar em que projeto de
país gostaríamos de levar adiante: de um lado, um candidato da ultradireita e, do
outro, um nome antigo, que fez parte da onda de governos progressistas latino-
americana conhecida como Onda Rosa
1
. Nesse horizonte, a pauta do trabalho seria
de grande relevância nas propostas apresentadas, visto que vinha sofrendo, desde a
reforma de 2017, uma acentuada precarização amparada pelo discurso neoliberal.
Tendo isso em mente, o presente artigo se propõe a realizar um estudo dos aspectos
político-ideológicos que permeiam as mudanças na legislação trabalhista, suas
tendências históricas e as possibilidades lançadas nas eleições presidenciais (se
acenam, ou não, para um giro paradigmático).
Neste empenho, vale-se de revisão bibliográfica multidisciplinar, tendo como
base teórica principal os escritos de Dardot e Laval acerca da racionalidade
neoliberal e seus atravessamentos pelas diversas camadas do tecido social. Então,
após um resgate histórico contextual, realiza-se uma análise documental para
entender como as propostas trabalhistas de governos à esquerda e à direita são, em
maior ou menor medida, reflexos do neoliberalismo. A comparação com as
experiências chilena e argentina, mantido o recorte temporal (até as eleições
brasileiras de 2022)
2
, é feita com o intuito de compreender a existência de um
fenômeno histórico nos padrões da atuação estatal e sua regulação do trabalho, bem
como o papel desempenhado pelo ideário neoliberal, impulsionado pelo capital
financeiro internacional, nesses movimentos.
1
Expressão cunhada pelo repórter Larry Rohter quando da vitória de Vázquez no Uruguai, em 2005,
para descrever uma guinada à esquerda na política latino-americana, representada pela eleição de
candidatos próximos da social-democracia, e não da esquerda radical (vermelha).
2
O presente artigo foi elaborado entre os anos de 2022 e 2023, tendo como enfoque o tratamento
dado à pauta trabalhista pelos principais candidatos às eleições brasileiras de 2022, bem como
traçando um paralelo com Argentina e Chile, também no mesmo período. Dado o transcurso temporal
desde a escrita até a publicação deste estudo, novos desenrolares foram observados, mas não serão
aqui analisados, podendo ser objeto de exame posterior. Cumpre ainda dizer que a eleição do
ultraneoliberal Milei na Argentina e a tímida atuação do Presidente Lula na adequada regulação do
trabalho demonstram o constante avanço do neoliberalismo e retomam importantes discussões
travadas neste texto, notadamente no que tange ao desmonte da proteção estatal ao trabalhador.
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partir da pauta trabalhista. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.8, p. 1-35, 2025.
DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v8.238.
1 Neoliberalismo
1.1 Panorama geral da racionalidade neoliberal
Para compreender o neoliberalismo em seu contexto atual, é preciso enxergá-
lo além de uma simples ideologia. Trata-se, em verdade, de uma racionalidade que
fixa o mercado e a concorrência como pressupostos de todas as esferas da vida e da
sociedade
3
. Longe de representar uma retração do Estado, a governamentalidade
neoliberal tem uma grande dimensão construtivista
4
e põe o quadro normativo
institucional a seu serviço: ao Estado, que deve ele mesmo funcionar como uma
empresa privada, compete estabelecer as condições para a implementação e a
manutenção do mercado concorrencial, que deixa de ser um meio, voltado à
realização da justiça social, e passa a ser um fim por si só.
Na medida em que tal funcionamento societário exige uma subjetividade
específica, o neoliberalismo opera no sentido de uma biopolítica ativa, que molda os
comportamentos humanos
5
, trazendo um novo paradigma antropológico: o ser
humano econômico. Esse ser econômico se orienta por seu interesse próprio -
mantém suas relações a partir de um cálculo utilitarista - e vive em constante
concorrência com os demais.
Além disso, a responsabilidade pelas crises sociais é transferida ao indivíduo,
numa retração do papel protetivo do Estado e, junto com ele, do Direito do Trabalho.
Ficam evidentes, então, importantes aspectos do neoliberalismo, que orientam as
políticas de austeridade trabalhista: a negação do coletivo, representada por uma
supervalorização do indivíduo, e a corrosão das instituições, incluindo o Estado, que
3
"A racionalidade empresarial apresenta a vantagem incomparável de unir todas as relações de poder
na trama de um mesmo discurso." (DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio
sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016. p. 331)
4
"[O poder] não pesa como uma força que diz não, mas de fato permeia, produz coisas, induz ao
prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa
todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa." (FOUCAULT, Michel. Microfísica do
poder. 8. ed. São Paulo: Paz & Terra, 2014. p. 45)
5
"As mudanças econômicas do século XVIII tornaram necessário fazer circular os efeitos do poder, por
canais cada vez mais sutis, chegando até aos próprios indivíduos, seus corpos, seus gestos, cada um
de seus desempenhos cotidianos." (FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 8. ed. São Paulo: Paz &
Terra, 2014. p. 325-326)
5
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cada vez mais recua de seu papel social, cedendo lugar à regulação privada das
relações de trabalho.
1.2 Negação do Estado Social
O papel do Estado neoliberal extrai suas premissas do ordoliberalismo alemão,
segundo o qual a base da sociedade e da economia de mercado está na ordem
constitucional
6
, regida pelos seguintes princípios: estabilidade da política
econômica, estabilidade monetária, mercados abertos, propriedade privada,
liberdade dos contratos e responsabilidade dos agentes econômicos. Essa
Constituição econômica favorece uma sociedade de direito privado, pautada pelo
contratualismo.
A atuação estatal se dá, basicamente, em duas frentes: a ordenadora -
estabelecendo as regras gerais do jogo concorrencial - e a reguladora - vigiando o
cumprimento dessas regras. Dentro desse quadro de perfeita concorrência, forjado
por escolhas políticas deliberadas, os cidadãos consumidores teriam plena liberdade
para conduzir sua vida como julgarem melhor, de tal modo que ao Estado somente
competiria guardar as normas de direito privado, sendo-lhe vedado estabelecer
políticas voltadas a grupos específicos, que estariam sendo indevidamente
favorecidos.
Isso significa que o Estado neoliberal não pode implementar políticas sociais
ou protecionistas, limitando-se a estabelecer uma legislação trabalhista mínima e
uma redistribuição que permita ao indivíduo atuar no jogo da concorrência
7
. Ou seja,
o critério legitimador da intervenção estatal não é seu resultado, mas, sim, seu
respeito às regras concorrenciais - a concorrência passa a ser o fim, estando
abandonada a ideia da economia como um meio de realização da justiça social
8
6
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal.
São Paulo: Boitempo, 2016. p. 101.
7
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal.
São Paulo: Boitempo, 2016. p. 122.
8
"Nessa nova dogmática, a concorrência torna-se o objetivo, e os homens, um simples meio de atingi-
lo." (SUPIOT, Alain. O espírito de Filadélfia: a justiça social diante do mercado total. Porto Alegre:
Sulina, 2015. p. 57)
6
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partir da pauta trabalhista. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.8, p. 1-35, 2025.
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(objetivo traçado pela Organização Internacional do Trabalho na Declaração de
Filadélfia).
A luta contra a exclusão social é, assim, relegada ao âmbito da
responsabilidade individual, devendo ser empenhada pela caridade e pelo esforço.
Nota-se que a negação do Estado Social tem uma dimensão marcadamente moral, ao
passo que "a proteção social destrói valores sem os quais o capitalismo não poderia
funcionar"
9
. É dizer que o Estado assistencialista tornaria as pessoas dependentes e
preguiçosas, eximindo-as dos riscos supostamente inerentes à vida, que seriam
absorvidos por redes de solidariedade. Nesse panorama, as políticas de sociedade
devem ser estímulos ao comportamento econômico dos indivíduos.
No campo do trabalho, isso se traduz em flexibilização excessiva e desmonte
da legislação historicamente protetiva, que teriam como efeito pedagógico penalizar
trabalhadores que não se dobram à lógica do mercado. Desse modo, competiria ao
ser humano econômico, no âmbito de sua soberana autonomia privada, estabelecer
relações contratuais com outros sujeitos, inclusive empresas, a partir de seu cálculo
utilitarista, sem se subordinar a direitos sociais coletivos protegidos pelo Estado.
1.3 Individualismo e a negação do coletivo
Juntamente com a retração do Estado na perspectiva social, assiste-se a uma
exacerbação do individualismo, que define psicologicamente o sujeito neoliberal e
sua atuação no mercado de trabalho. A necessidade de construir essa subjetividade
perverte a lógica do trabalho e da regulação estatal, atribuindo-lhes um papel
disciplinar quanto à conformação da pessoa-empresa. Assim, o processo de mercado
é tido como um processo de aprendizagem, encampado pela governamentalidade
neoliberal, que cria situações de mercado as quais conduzem o indivíduo a se
autogovernar, fazendo escolhas num cenário de concorrência
10
.
9
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal.
São Paulo: Boitempo, 2016. p. 211.
10
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal.
São Paulo: Boitempo, 2016. p. 140-141.
7
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Essa dinâmica de liberdade de mercado é possível pois, na sociedade
especializada, marcada pela divisão do trabalho, o conhecimento é fragmentado, de
modo que cada indivíduo tem conhecimentos específicos e únicos e comunica-os aos
outros via preço, buscando lucro. Consequentemente, a intervenção estatal
protetiva não teria sentido, uma vez que somente os próprios indivíduos detêm essas
informações que lhes permitem fazer seu cálculo utilitarista. Sustenta-se, portanto,
um governo de si no mercado - o denominado empreendedorismo
11
.
Nesse sentido,
a racionalidade neoliberal produz o sujeito de que necessita ordenando os
meios de ordená-lo para que ele se conduza realmente como uma entidade
em competição e que, por isso, deve maximizar seus resultados, expondo-
se a riscos e assumindo inteira responsabilidade por eventuais fracassos
12
.
Isso significa que o risco é naturalizado e individualizado, consubstanciando-
se em flexibilização e precarização do trabalho, numa visão do ser como capital
humano. O risco, com sua função pedagógica, não pode ser absorvido pelo Estado ou
pela solidariedade coletiva - os assalariados estão em competição e, nesse contexto,
devem se adaptar ou sofrer com o desemprego.
Trata-se de um processo autorrealizador, em que a concorrência entre os
indivíduos, abandonados a seu cálculo e desempenho, desamparados de proteção
social, cria condições mais graves e obriga-os a se sujeitar a elas, numa adaptação
permanente às incertezas, operada por uma lógica de sobrevivência individualista na
competição do mercado. Assim, ao precarizar o senso de coletividade, instaurando
os sujeitos como empresas de si mesmos em concorrência, o neoliberalismo
enfraquece as formas de resistência dos assalariados, numa tendência de
desorganização do proletariado.
11
"A pura dimensão do empreendedorismo, a vigilância em busca de oportunidade comercial, é uma
relação de si para si mesmo que se encontra na base da crítica à interferência." (DARDOT, Pierre;
LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo,
2016. p. 146)
12
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal.
São Paulo: Boitempo, 2016. p. 328.
8
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2 Brasil
2.1 Breve resgate histórico
O processo de regulação do trabalho no Brasil é historicamente perpassado
por contradições, sendo caracterizado por microdescontinuidades evolutivas, como
nomeia Romagnoli
13
. A Consolidação das Leis do Trabalho é o principal marco
regulatório do país e sua estrutura básica é mantida ao longo dos anos, mas passa,
alternadamente, por momentos de fragilização (Ditadura Militar e anos 90) e de
ampliação (início da década de 1960 e anos 80).
O primeiro momento de mais notável precarização se no período da
Ditadura Militar. Não se pode olvidar a importante participação empresarial no golpe,
uma resistência reacionária às reformas de base intentadas por João Goulart, que
ameaçavam os interesses do capitalismo imperialista. Nesse sentido, o Instituto de
Pesquisa e Estudos Sociais - IPES, fundado em 1962 e amplamente financiado pelo
Departamento de Estado e da Câmara de Comércio dos EUA
14
, atuou de forma
decisiva. Constituído por empresários, acadêmicos e militares, o IPES adentrou o
aparato estatal
15
com propostas, orientadas pelo neoliberalismo, de
internacionalização da economia, racionalização da administração pública e
enfraquecimento do poder de intervenção dos trabalhadores
16
.
13
ROMAGNOLI, 2003 apud SILVA, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da. Relações coletivas de
trabalho: configurações institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: LTr, 2008. p. 47.
14
MEMORIAL da Democracia. IPÊS conspira com multinacionais e militares, 29 de novembro de
1961. Disponível em: http://memorialdademocracia.com.br/card/ipes-conspira-com-
multinacionais-e-militares. Acesso em: 19 fev. 2025.
15
"Os setores-chaves da administração do Estado [na ditadura militar do Brasil] foram ocupados por
componentes do IPES" (MONTEIRO, Tiago Francisco. Facções políticas civis nas ditaduras militares do
Brasil e Chile: os homens do IPES e dos "Chicago Boys" (1955-1990). Revista Ars Historica, Rio de
Janeiro, v. 8, p. 78, 2014. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ars/article/view/45370.
Acesso em: 19 fev. 2025.). Por exemplo, Golbery do Couto e Silva, chefe do SNI (1964-1967) e do
gabinete civil (1974-1981).
16
Valores difundidos pela Escola Superior de Guerra, de onde vieram inúmeros membros do IPES, e
que conformam a Doutrina de Segurança Nacional brasileira, inspirados no National War College
estadunidense (MONTEIRO, Tiago Francisco. Facções políticas civis nas ditaduras militares do Brasil e
Chile: os homens do IPES e dos "Chicago Boys" (1955-1990). Revista Ars Historica, Rio de Janeiro, v.
8, p. 69-70, 2014. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ars/article/view/45370. Acesso
em: 19 fev. 2025.)
9
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DUTRA, Renata Queiroz; SCANDIUZZI, Juliana. Neoliberalismo ou nova Onda Rosa? Perspectivas de um giro racional a
partir da pauta trabalhista. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.8, p. 1-35, 2025.
DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v8.238.
Foram esses tecnocratas os responsáveis pela política de achatamento salarial
da época, com a fixação de índices de reajuste de aplicação obrigatória quando dos
dissídios coletivos e a intenção de controlar a inflação por meio da baixa
remuneração. Alia-se a isso o desvirtuamento dos sindicatos, aos quais foram
atribuídas funções assistenciais; a Lei 4.330/1964, conhecida como Lei Antigreve; e
a Lei 5.107/1966, que instituiu o FGTS e acabou com a estabilidade decenal. Com
todos esses mecanismos de exclusão dos trabalhadores e dificultada a resistência, os
empregadores tinham um controle muito amplo sobre as condições de trabalho, de
modo que Grillo afirma que
a ditadura militar promoveria uma modernização econômica capitalista no
país de natureza autoritária, concentradora de renda e desenvolvimentista.
O eixo da integração do trabalhador na vida nacional pela aquisição de
direitos, mesmo que por um viés corporativista autoritário do período
precedente, foi substituído pela afirmação do mercado e dos valores do
capital, em detrimento do trabalho, em todas as esferas da vida econômica
e produtiva do país
17
.
Como refluxo social deste período, os anos 80 no país são marcados pela
afirmação de direitos sociais, em contraponto com a tendência mundial de desmonte
das redes protetivas. O revigoramento dos sindicatos e as greves têm papel essencial
na redemocratização, e suas conquistas se consubstanciam na Constituição de 1988,
que eleva os direitos trabalhistas ao patamar de direitos sociais fundamentais.
Contudo, a crise econômica deflagrada nos anos 80 se mantém, e a proteção social
começa a sofrer ataques na década de 1990 - conhecida como a década neoliberal,
pela adoção das medidas recomendadas pelo Consenso de Washington para a inserção
(subordinada) dos países latino-americanos no capitalismo mundial. Esse processo se
inicia em 1989, com a eleição de Collor (PRN) e a aplicação de seu projeto de ajuste
17
GRILLO, 2008, p. 196 apud MORAES, Claudia Corrêa de. Direitos do trabalho e autoritarismo no
Brasil: um estudo sobre as reformas trabalhistas promovidas durante a primeira fase do regime militar
(1964-1968). 2008. Monografia (Bacharelado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. p. 40.
10
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partir da pauta trabalhista. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.8, p. 1-35, 2025.
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macroeconômico, que promove abertura comercial e financeira indiscriminadas,
privatizações e arrocho salarial - aprofundando a crise
18
.
Como consequência, assiste-se a uma explosão do desemprego e a um
aumento da informalidade, que corroboram a lógica precarizante. Na frente do
trabalho, as reformas de cunho neoliberal se dão no sentido de prestigiar a regulação
privada das relações
19
, deixando de regulamentar direitos sociais previstos na
Constituição Federal e ampliando a liberdade do empregador para determinar
condições centrais do trabalho
20
. Fica claro que, no cenário descrito, os
trabalhadores são expostos a um mercado de trabalho hostil e acabam precisando se
submeter a condições precárias para sobreviver - "o que contribui para induzir certos
comportamentos nas pessoas, nos agentes econômicos e nas instituições em relação
à regulação do trabalho"
21
. Os sindicatos, da mesma forma, assumem uma postura
retraída e, nas negociações coletivas, aceitam rebaixar direitos, alterar formas de
contratação
22
e reduzir salários e benefícios frente à ameaça do desemprego.
Essa tendência de precarização é continuada e ampliada nos governos
Fernando Henrique Cardoso (PSDB), principalmente por iniciativas do Executivo. A
começar pelo Plano Real, que visava reduzir a inflação com uma moeda ancorada no
dólar, a gestão FHC implementou diversas reformas neoliberais, radicalizando as
privatizações, a abertura econômica e financeira e o desmonte de direitos sociais.
Das iniciativas tomadas, ressalta-se: a flexibilização dos contratos de trabalho
18
A abertura exacerbada às importações dificultou a inserção das empresas brasileiras no mercado
concorrencial; as privatizações aumentaram o endividamento público, pois as dívidas das estatais
privatizadas foram absorvidas pelo Estado, que não tinha mais aquela fonte de lucro; e o
congelamento de preços e salários estagnou o crescimento econômico e não controlou a inflação.
19
"Nos anos 90, uma importante mudança no papel do Estado como promotor das condições de
funcionamento do mercado, desregulamentando ou re-regulamentando a economia, as finanças e o
trabalho." (KREIN, José Dari. Tendências recentes nas relações de emprego no Brasil: 1990-2005.
2007. Tese (Doutorado em Economia) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2007. p. 78)
20
KREIN, José Dari. Tendências recentes nas relações de emprego no Brasil: 1990-2005. 2007. Tese
(Doutorado em Economia) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
2007. p. 63.
21
KREIN, José Dari. Tendências recentes nas relações de emprego no Brasil: 1990-2005. 2007. Tese
(Doutorado em Economia) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
2007. p. 68.
22
Por exemplo, terceirização e contratos temporários, que fragmentam a classe trabalhadora e
dificultam a mobilização coletiva, dando mais espaço a soluções individuais - corroborando o
individualismo neoliberal.
11
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(trabalho temporário, por tempo determinado e em tempo parcial); a instituição do
banco de horas; medidas de flexibilização da remuneração - Participação nos Lucros
e Resultados, eliminação da política de reajuste salarial através do Estado e do
reajuste automático dos salários (MP 1.053/94) e fim do índice de reajuste oficial de
correção do salário mínimo (MP 1.906/97); e, na Justiça do Trabalho, a criação das
Comissões de Conciliação Prévia, que funcionam como uma primeira instância para
a solução privada dos conflitos - exprimindo o ataque, caracteristicamente
neoliberal, às instituições públicas e sua atuação na regulação do trabalho.
Em 2001, também se empenhou a aprovação do Projeto de Lei 5.483, que
alteraria a redação do art. 618 da CLT, estabelecendo a prevalência do negociado
sobre o legislado - marcando, ainda mais, o intento de regulação privada do trabalho.
Porém, uma das ações do governo lulista foi retirar o caráter de urgência da
tramitação do PL, pois o tema seria discutido no Fórum Nacional do Trabalho, um
dos principais projetos apresentados em sua candidatura, juntamente com a
valorização do salário-mínimo e a redução da jornada de trabalho para 40 horas
semanais
23
.
Apesar dessas propostas de ampliação de direitos trabalhistas, os governos
Lula (PT) foram perpassados por contradições, oscilando entre flexibilização, numa
perpetuação das tendências neoliberais, e aumento da proteção via regulação
pública. Importantes políticas de cunho social foram efetivadas, demonstrando uma
sinalização à atuação do Estado em sua face social. Cabe citar: a política de
valorização do salário mínimo, essencial à reestruturação do mercado de trabalho; o
Bolsa Família; o veto à Emenda 3 da Super Receita, a qual proibiria a autuação, pelo
auditor fiscal, de empresas que se valessem de contratos disfarçados para deixar de
pagar encargos trabalhistas
24
; a revogação da Portaria MTE 865/95, que impedia que
23
KREIN, José Dari. Tendências recentes nas relações de emprego no Brasil: 1990-2005. 2007. Tese
(Doutorado em Economia) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
2007. p. 2.
24
A referida emenda, ao regulamentar o art.116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional,
dispunha que somente após decisão judicial poderia haver o reconhecimento de relação de trabalho,
retirando o poder de a autoridade fiscal, no exercício de suas atribuições, autuar e multar empresas
que utilizassem a pejotização para disfarçar elos trabalhistas. Por prever a necessidade de
pronunciamento do Judiciário para a autuação das empresas (entre outros procedimentos), a norma
representaria um entrave à fiscalização de irregularidades contratuais.
12
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o auditor fiscalizasse cláusulas de contratos coletivos de trabalho; e a ampliação das
parcelas de seguro-desemprego durante a crise de 2008/2009, para os setores mais
afetados. Por outro lado, as medidas precarizantes incluem: a nova Lei de Falências
e Recuperação Judicial, que deixa de priorizar os créditos trabalhistas; a EC 41/03,
que exclui os servidores públicos do regime de previdência pública; e o Super Simples
(LC 123/06), que dispensa as micro e pequenas empresas de diversas obrigações.
Portanto, verifica-se que os governos Lula foram marcados, na frente do
trabalho, por tímidos avanços, observáveis na diminuição das taxas de desemprego
e na multiplicação do trabalho assalariado e formal
25
, contrapostos por disposições
favoráveis ao empresariado. Essa articulação, verificada na conciliação entre as
forças patronais e laborais, manteve a política brasileira numa disputa morna entre
centro-esquerda e centro-direita. Mas, esse relativo consenso acaba em junho de
2013
26
, quando eclodem manifestações que marcam a retomada, com todas as
forças, da hegemonia neoliberal e de sua acentuada precarização do Direito do
Trabalho.
2.2 Reforma trabalhista
Com a crise democrática instaurada pelo golpe parlamentar que levou ao
impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016, entra em curso uma
25
Entre 2003 e 2010, o aumento do PIB foi de 37,8% (IBGE. Nota: PIB em valores constantes de 2014);
no mesmo período, houve uma redução de 45,9% na taxa média de desemprego (IBGE, PNAD contínua);
e, entre 2003 e 2012, foi registrado um crescimento de 53,6% do emprego com carteira de trabalho
assinada no setor privado. (IBGE, PME: Evolução do Emprego com Carteira de Trabalho Assinada: 2003-
2012.)
26
Relativo, pois o primeiro governo Dilma foi marcado por um abandono dos pilares de crescimento
econômico adotados nos anos anteriores, com a implementação da Agenda Fiesp, que envolveu "a
redução de juros, a desvalorização do real, a contenção de gastos e investimentos públicos e uma
política de desonerações tributárias cada vez mais ampla". (CARVALHO, Laura. Valsa brasileira: do
boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018. p. 45). A desaceleração econômica resultante
acarretou uma nova alteração do modelo econômico, a partir de 2015, chefiada pelo Ministro da
Fazenda Levy, que defendia um ajuste fiscal através de "uma redução de 58 bilhões de reais nos gastos
com o PAC; uma economia de 18 bilhões pela alteração das regras para recebimento de seguro-
desemprego, abono salarial e auxílio-doença; uma receita adicional de 12,2 bilhões pelo aumento das
alíquotas de PIS/Cofins e da Cide sobre combustíveis; uma arrecadação extra de 5,3 bilhões pela
redução da desoneração da folha (aumento da alíquota de 1-2% para 2,5-4,5%) e de 5 bilhões pela
volta do IPI para veículos." (CARVALHO, Laura. Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. São
Paulo: Todavia, 2018. p. 79)
13
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agenda ultraneoliberal que, se nos períodos anteriores se manifestara em medidas
pontuais, agora vem na forma de uma Reforma Trabalhista, a qual entra em vigor
em novembro de 2017 a partir da Lei 13.467, que altera 201 pontos da CLT, e da Lei
13.429, que liberaliza a terceirização e amplia a contratação temporária. As
sinalizações dessa mudança são enunciadas no documento "Uma Ponte Para o
Futuro"
27
, ensaio para a chegada de Michel Temer (MDB), com apoio do mercado, à
presidência
28
. Nele são propostas, entre outras, o fim da indexação dos salários e
benefícios previdenciários, a rigidez orçamentária, concessões à iniciativa privada e
a prevalência do negociado sobre o legislado.
Os atores envolvidos nas discussões sobre a Reforma evidenciam os interesses
que estavam em jogo. De um lado, partidos tradicionalmente ligados ao
empresariado (MDB, PP, PSDB, PSD e DEM), a Frente Parlamentar Agropecuária e a
Frente Parlamentar Mista CSE, e entidades patronais como a CNC e a Abrasel, em
defesa da mudança, que aumentaria a produtividade e a competitividade,
desburocratizando as contratações e reduzindo os custos do trabalho, e geraria
empregos. Do outro, partidos mais ligados aos trabalhadores (PT, PDT, PCdoB, PSOL
e REDE), sindicatos e centrais sindicais, a Anamatra e o MPT, para quem as propostas
rebaixariam e precarizariam os direitos trabalhistas, atacariam a proteção social
constitucional ao trabalhador, enfraqueceriam os sindicatos e fragilizariam a Justiça
do Trabalho
29
.
De todo modo, após uma tramitação afobada e sem o devido diálogo social, a
Reforma Trabalhista foi aprovada, consolidando o desmonte do Direito do Trabalho,
em consonância com a hegemonia neoliberal. Foram alterados elementos centrais
das relações de trabalho e estimulada a regulação privada, em detrimento da
27
PMDB. Uma ponte para o futuro. Brasília: Fundação Ulysses Guimarães, 2015. Acesso em: 24 fev.
2025.
28
KREIN, José Dari. O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento da
ação coletiva: consequências da reforma trabalhista. Tempo Social: revista de Sociologia da USP, São
Paulo, v. 30, n. 1, p. 77, 2018. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/138082/138676. Acesso em: 24 fev. 2025.
29
PICOLOTTO, Everton; LAZZARETTI, Mateus; HÜBNER, Mikaela Fabiana. Reformas neoliberais no
mundo do trabalho no pós-impeachment de 2016: atores, argumentos e alguns resultados. Revista
Eletrônica Interações Sociais - REIS, Rio Grande, v. 4, n. 1, p. 109-125, jan./jun. 2020. Disponível
em: https://periodicos.furg.br/reis/article/view/11216. Acesso em: 24 fev. 2025.
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proteção estatal. Nesse sentido, as alterações conversam entre si para precarizar a
condição dos trabalhadores e submetê-los a situações concorrenciais de mercado
cada vez mais inseguras.
Primeiramente, a prevalência do negociado sobre o legislado, uma antiga
ameaça, toma corpo no art. 611-A da CLT, cujos incisos permitem a negociação, fora
dos limites legais, de aspectos fundamentais do trabalho. Esse artigo mostra
claramente o intuito de substituição de garantias estabelecidas pelo Estado por uma
pactuação privada entre as partes que, no âmbito de sua autonomia, podem rebaixar
direitos, inclusive de indisponibilidade absoluta
30
. Isso é agravado pelo seu §2º,
ratificado pela jurisprudência do STF que, num desvirtuamento do princípio da
adequação setorial negociada, dispensa a contrapartida expressa para transacionar
direitos.
Ainda no sentido de fortalecer a regulação privada, o art. 8º, §3º, limita a
possibilidade de a Justiça do Trabalho analisar o conteúdo material das cláusulas de
ACTs e CCTs, devendo apenas verificar sua conformidade com os requisitos de
validade do negócio jurídico - uma errônea transposição de princípios do Direito
Privado para o do Trabalho. Também se tentou obstar o acesso à justiça pela previsão
do pagamento pelo trabalhador sucumbente, mesmo o beneficiário da justiça
gratuita, de honorários advocatícios e periciais
31
, representando o empenho no
desmonte das instituições públicas regulatórias
32
.
Outra questão, que serve à fragilização da coletividade dos trabalhadores e
estimula o individualismo exacerbado, é a ampliação dos contratos temporário e
parcial, a instauração do contrato intermitente e do teletrabalho, e a liberalização
total da terceirização - para a atividade-fim e em todos os setores. Essas
30
Por mais que se preveja que tais direitos não podem ser objeto de negociação coletiva, uma
alteração do que os compõem (a exemplo das normas relativas à insalubridade, que são retiradas das
normas de saúde e segurança, ficando disponíveis).
31
Arts. 790-B, §4º, e 791-A, §4º, da CLT (BRASIL. Decreto-lei 5.452, de de maio de 1943.
Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 26 fev. 2025)
32
Dispositivos declarados inconstitucionais pelo STF quando do julgamento da ADI 5.766. A Corte, no
entanto, manteve a exigência do pagamento de custas pelo beneficiário da gratuidade judiciária
ausente à audiência (art. 844, §2º, da CLT).
15
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modalidades, além de dificultarem a prestação de direitos
33
, fragmentam a classe,
na medida em que criam mais divisões, pela existência de sindicatos diferenciados,
e descentralizam as negociações coletivas. No mesmo caminho, vêm as possibilidades
de: redução salarial por negociação individual, no caso de trabalhadores com
remuneração acima de dois tetos previdenciários; acentuação da possibilidade de
renda variável, desvinculada da remuneração; e "não consideração de gratificações,
auxílio-alimentação, abonos, diárias de viagens etc. como parcela salarial,
comprometendo os fundos de financiamento das políticas públicas"
34
. Assim, são
implementados estímulos à concorrência entre os assalariados e afetadas as redes
de solidariedade coletiva e proteção social, com o comprometimento dos fundos.
Enunciando apenas alguns dos muitos desmantelamentos promovidos pela
Reforma Trabalhista, é evidente como o ideário neoliberal nela se manifesta pela
inserção dos próprios trabalhadores na concorrência de um mercado mais flexível e
inseguro, transferindo-lhes os riscos da atividade econômica, que devem ser
superados pelo empreendedorismo individual, e deixando-os com escassos meios de
resistência, pela desestruturação dos sindicatos e da proteção social do Estado. É,
portanto, desvirtuada a lógica protecionista e progressista característica do Direito
do Trabalho e acentuada a submissão dos sujeitos a ocupações precárias para
garantir sua sobrevivência, em face de um Estado que, amparado pelo velho discurso
de modernização e inserção na economia internacional, ao invés de proteger sua
população, protege a concorrência.
33
No contrato temporário, o trabalhador não tem direito ao aviso prévio, à multa de 40% do FGTS, ao
seguro-desemprego e às estabilidades provisórias (KREIN, José Dari. O desmonte dos direitos, as novas
configurações do trabalho e o esvaziamento da ação coletiva: consequências da reforma trabalhista.
Tempo Social: revista de Sociologia da USP, São Paulo, v. 30, n. 1, p. 88, 2018. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/138082/138676. Acesso em: 24 fev. 2025); no
intermitente, o trabalhador não recebe por tempo em que fica disponível ao empregador; e, na
terceirização, os terceirizados, ainda que exerçam a mesma função que contratados diretamente, o
submetidos a condições diferentes, além de haver controvérsias sobre a responsabilização da
empresa-tomadora pelo descumprimentos de leis trabalhistas.
34
KREIN, José Dari. O desmonte dos direitos, as novas configurações do trabalho e o esvaziamento da
ação coletiva: consequências da reforma trabalhista. Tempo Social: revista de Sociologia da USP, São
Paulo, v. 30, n. 1, p. 90, 2018. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/138082/138676. Acesso em: 24 fev. 2025.
16
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2.3 Estágio atual
O trabalho no contexto atual sofre com a lógica neoliberal homogeneizante,
que opera uma economicização de todas as esferas - o trabalho, as vidas social e
política e suas instituições, e o próprio indivíduo, que passa de cidadão a capital
humano. Isso ocasiona um empobrecimento semântico, em que o sujeito tem menos
ferramentas para se impor enquanto sujeito de direitos, e um esvaziamento das
instituições democráticas, o que explica, em parte, a recente crise vivenciada pelas
democracias modernas, deflagrada, no Brasil, com a eleição de Jair Bolsonaro (PL),
em 2018.
Impulsionado pelo desgaste social, Bolsonaro emerge com um discurso
antipolítica, conservador e neoliberal,
em flerte aberto com os interesses do grande capital, mas também ancorado
na mobilização do discurso do sujeito-empresa ou do sujeito-empreendedor,
em oposição a uma perspectiva de proteção dos vulneráveis e suas
representações coletivas, ridicularizados como vitimistas
35
.
E, levando em conta que as normas trabalhistas e sindicais são importante
medida da saúde democrática, não surpreende que o presidente de extrema direita
tenha avançado na sua supressão - por exemplo, extinguindo o Ministério do Trabalho
e instituindo, por medida provisória, o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, que
retirava inúmeros direitos
36
.
Mas a dinâmica dialética da sociedade propicia resistência, e os anseios das
organizações de trabalhadores, representados pelo movimento Revoga e pelas
35
DUTRA, Renata Queiroz; LIMA, Renata Santana. Neofascismo, neoliberalismo e direito do trabalho
no governo Bolsonaro. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 14, n. 3, p. 1773, 2023. Disponível
em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/revistaceaju/article/view/62927 Acesso em: 26 fev. 2025.
36
Entre outros, "expansão da autorização do trabalho aos domingos e feriados, ampliação da jornada
de trabalho de parte dos empregados do setor bancário, critério da dupla visita para lavratura de auto
de infração, aplicação do índice da caderneta de poupança aos débitos trabalhistas, dispensa da
participação sindical na fixação da PLR e revogação da obrigatoriedade de inspeção prévia de novos
empreendimentos" (DUTRA, Renata Queiroz; LIMA, Renata Santana. Neofascismo, neoliberalismo e
direito do trabalho no governo Bolsonaro. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 14, n. 3, p.
1784, 2023. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/revistaceaju/article/view/62927
Acesso em: 26 fev. 2025). Contudo, essa medida provisória não logrou ser convertida em lei.
17
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DUTRA, Renata Queiroz; SCANDIUZZI, Juliana. Neoliberalismo ou nova Onda Rosa? Perspectivas de um giro racional a
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centrais sindicais, seguiram pelo eixo da revogação. Em uma carta às instituições
democráticas, datada de 19 julho de 2022, o Revoga reforça a centralidade do
trabalho no processo de construção da democracia, apontando a Reforma Trabalhista
como "o ápice do período de ruptura democrática” instaurado nos anos de 2016 e
2017 e que proporcionou, inclusive, a vitória eleitoral da ala política que
expressamente se comprometeu em levar adiante os propósitos econômicos
ultraneoliberais" e ressaltando a necessidade de retomada do Estado Social,
mediante a "construção de um sistema público de proteção social do trabalho que
integre toda a classe trabalhadora em direitos e garantias". Na mesma ótica, as
pautas legislativa e judiciária das centrais sindicais para o ano de 2022 mostram a
relevância e atualidade das discussões sobre o padrão de regulação do trabalho no
país. No âmbito do legislativo, tramitam importantes projetos de lei - tais quais o PL
1.418/21 (Carteira de Trabalho Verde e Amarela) e os PLs 3.512/20 e 3.748/20
(regulamentação de novas formas de trabalho - por aplicativos e teletrabalho). No
judiciário, o enfoque é no controle de constitucionalidade de artigos da Reforma
37
-
um ponto em voga é o contrato intermitente, objeto de inúmeras ADIs
38
, em que
entidades sindicais apontam violação aos princípios da dignidade humana e da
vedação ao retrocesso social.
Paralelamente, a iminência das eleições reabriu um horizonte de
possibilidades e expectativas para a pauta trabalhista, com os dois principais
candidatos apresentando projetos de governo fundamentalmente distintos para a
nação. No plano apresentado por Bolsonaro, "Pelo Bem do Brasil"
39
, as propostas
relativas ao trabalho focam em empreendedorismo, competitividade, modernização
e flexibilização:
37
O STF ocupou um importante papel na consolidação da agenda trabalhista neoliberal,
desmantelando garantias constitucionais e atuando em disputa com a jurisprudência protetiva fixada
pelo TST no período pós-reforma. Para informações aprofundadas sobre o tema, ver DUTRA, Renata;
MACHADO, Sidnei. O Supremo e a Reforma Trabalhista: a construção jurisprudencial da Reforma
Trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Fi, 2021.
38
ADIs 5.826, 5.829 e 6.154. As ações foram, no entanto, julgadas improcedentes pelo Plenário do
STF em dezembro de 2024.
39
PELO bem do Brasil: diretrizes do plano de governo 2023-2026 Bolsonaro. p. 15. Disponível em:
https://static.poder360.com.br/2022/08/plano-de-governo-bolsonaro-preliminar.pdf Acesso em: 10
mar. 2025.
18
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[...] gerar emprego e renda é objetivo de qualquer governo democrático e
que acredita na liberdade econômica. Para que isso aconteça, um dos
fatores fundamentais é o estímulo ao empreendedorismo [...]. É, portanto,
fundamental retirar da população o peso do Estado de seus ombros e deixar
cada cidadão, com o apoio necessário do governo, exercitar sua criatividade,
sua capacidade gerencial, sua visão empresarial e sua liberdade para
escolher como vai prover sua existência de maneira a ser feliz naquilo que
faz, dentro da legalidade. [...] Exemplo de política: Programa Descomplica
Trabalhista. Um mercado livre de trabalho, seguro e flexível, para que o
emprego no país alcance níveis internacionalmente competitivos, gerando
renda e prosperidade aos brasileiros.
nas "Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do
Brasil"
40
, primeiro documento apresentado pela chapa Lula-Alckmin, é marcada uma
intenção de redirecionamento, mas sem ruptura radical. Apesar de falar em uma
nova legislação trabalhista a ser proposta através do debate tripartite - relembrando
o FNT de 2001 -, logo em seguida é dito que serão revogados "os marcos regressivos
da atual legislação trabalhista, agravados pela última reforma e reestabelecendo o
acesso gratuito justiça do trabalho", o que parece sinalizar a intenção de revogação
parcial. Outro ponto importante é a referência aos trabalhos precários/informais
que, enquanto no plano bolsonarista se resolve pela criação de ainda mais contratos
atípicos, aqui passa pela necessidade de extensão da proteção social a todas as
relações de trabalho. No mais, cita-se a retomada da política de valorização do
salário-mínimo, a reconstrução da seguridade e da previdência social e
reestruturação sindical, "respeitadas também as decisões de financiamento solidário
e democrático da estrutura sindical", ou seja, a não obrigatoriedade do imposto
sindical deve ser mantida. Não são elaboradas propostas trabalhistas concretas,
havendo um grande foco no diálogo social para as construir, mas é evidente um
retorno à ação estatal social, demarcado "um compromisso com um Estado de bem-
estar social".
40
DIRETRIZES para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil 2023-2026. Brasília, DF:
Fundação Perseu Abramo, jun. 2022. Disponível em: https://fpabramo.org.br/wp-
content/uploads/2022/06/documento-diretrizes-programaticas-vamos-juntos-pelo-brasil-
20.06.22.pdf Acesso em: 10 mar. 2025.
19
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DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v8.238.
Um segundo documento, assinado por Lula às vésperas do segundo turno das
eleições, em 27 de outubro de 2022, foi a "Carta para o Brasil do Amanhã"
41
. Nele,
são novamente mencionados o debate tripartite para construir uma "Nova Legislação
Trabalhista" (que leva à compreensão de que a pauta da revogação total ou parcial
foi deliberadamente deixada em aberto, na tentativa de angariar um espectro de
eleitores e conciliar interesses trabalhistas e empresariais) e a valorização dos
salários-mínimos. Propostas de políticas públicas de cunho social, voltadas às
populações mais vulneráveis, também são mencionadas, além do estímulo à
reindustrialização, com apoio à inovação e às parcerias público-privadas.
O resultado das eleições foi em favor do PT, mas o país continuou dividido -
essa transição não seria fácil. No "Relatório Final da Transição de Governo", de
dezembro de 2022, são constatadas algumas contradições, e a priorização da
revogação da Reforma parece ter sido deixada de lado. Na seção destinada a analisar
o desmonte do Estado e das políticas públicas promovido pelo governo Bolsonaro, o
documento fala sobre a subordinação do governo a uma agenda ultraliberal, que
aprofundou a flexibilização do trabalho e o desmonte sindical e coibiu a negociação
tripartite e o diálogo social. Ou seja, sinalizou-se para políticas públicas não mais
submissas à agenda econômica, com atenção à proteção social dos trabalhadores, e
ação estatal mais incisiva nas políticas de trabalho e na fiscalização de violações de
direitos:
Alterar esse quadro de degradação institucional indispensável para que as
políticas de trabalho voltem a ter centralidade no processo de
desenvolvimento do País. Isso passa pela reestruturação [do Ministério do
Trabalho e Previdência] como unidade institucional autônoma
42
.
O enfoque em críticas a ações do governo passado voltadas a, seguindo
preceitos neoliberais em consonância com a agenda empresarial, sucatear o sistema
público de inspeção e gestão do trabalho (pela redução do orçamento da área,
41
SILVA, Luiz Inácio Lula da. Carta para o Brasil do amanhã. São Paulo, 27 out. 2022. Disponível em:
https://pt.org.br/wp-content/uploads/2022/10/amanhacc83-v1-1.pdf Acesso em: 10 mar. 2025.
42
GABINETE de transição governamental. Relatório final. Brasília, DF, dez. 2022. p. 18. Disponível
em: https://pt.org.br/wp-content/uploads/2022/12/relatorio-final-da-transicao-de-governo-vf-22-
02-22.pdf Acesso em: 10 mar. 2025.
20
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subfinanciamento de políticas ativas de emprego e negligência com a renovação dos
quadros de auditores fiscais do trabalho), demonstra um intuito de valorizar o
trabalho e estruturar políticas públicas de emprego digno, sinalizando para a
regulação das novas formas de trabalho (o plataformizado
43
, por exemplo) e a
inclusão de trabalhadores informais no regime previdenciário. Também é indicado
um retorno do Estado em sua face social pelas propostas de reconstrução do
orçamento público, como a PEC 32/2022 (do Bolsa Família) e a sugestão de adição
de 6,8 bilhões de reais ao orçamento anual destinados ao salário-mínimo. O que
chama atenção, porém, é o fato de, no tópico "Sugestões de Medidas para Revogação
e Revisão"
44
, nenhum artigo da Reforma Trabalhista ser citado.
Combina-se à análise do Relatório de Transição a de declarações dadas pelos
atuais Ministros do Trabalho, Luiz Marinho (PT), e da Secretaria-Geral da Presidência
da República, Márcio Macêdo (PT), que reiteram a necessidade de diálogo social
tripartite para orientar a agenda trabalhista. O Ministro do Trabalho propõe uma
reforma trabalhista fatiada - fala em alterar trechos, mas não em revogar as Leis
13.467 e 13.429 -, a retirada de tramitação do PL da Carteira Verde e Amarela, uma
reforma sindical e a criação de comissões de discussão (sobre regulação do trabalho
por aplicativo, mudanças nas regras de negociação coletiva entre sindicatos e
empresas, e política permanente de reajuste do salário-mínimo). O Ministro Márcio
Macêdo, por sua vez, articula a formação de um conselhão de diálogo sobre a
reforma trabalhista entre empregados, patrões e sociedade.
A conclusão é que, em relação a um possível giro racional, concretizado no
abandono do paradigma do Estado neoliberal, as mudanças devem ser sutis, como
era de se esperar, considerando a característica conciliadora de interesses dos dois
primeiros mandatos Lula e o contexto brasileiro de polarização, que enseja um
caminho do meio, somados a um Congresso majoritariamente de direita (com o PL
dominando o Senado e a mara). Na verdade, o que se percebe é a continuidade da
43
A atuação do governo nesta frente se manteve tímida, e nenhuma legislação no sentido de
reconhecer a existência de vínculo trabalhista foi proposta.
44
GABINETE de transição governamental. Relatório final. Brasília, DF, dez. 2022. Disponível em:
https://pt.org.br/wp-content/uploads/2022/12/relatorio-final-da-transicao-de-governo-vf-22-02-
22.pdf Acesso em: 10 mar. 2025
21
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partir da pauta trabalhista. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.8, p. 1-35, 2025.
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dita virada neoliberal da esquerda, representada por uma mudança na política social
- "a luta contra as desigualdades [...] foi substituída pela luta contra a pobreza"
45
.
Trata-se de aceitar o mercado concorrencial como inelutável, pendendo para um
pragmatismo, mais do que para uma racionalidade bem delineada. Mas essas
aparentes contradições podem ser disputadas pela referência à Constituição de 1988,
que subordina a ordem econômica à justiça social e estabelece o valor do trabalho
para garantir a todos uma existência digna, dando os contornos do projeto de
sociedade almejado pelo país.
3 Visão comparativa no contexto latino-americano
3.1 Ditaduras neoliberais e a Onda Rosa
A experiência brasileira não se de forma isolada, sendo observável uma
tendência comum na América Latina. Há um paralelo a ser traçado entre tais países
que, no mesmo período histórico e seguidamente, transitaram entre momentos
autoritários e democráticos - sofreram ditaduras neoliberais, com importante
atuação dos think tanks, redemocratizações orientadas pelo Consenso de Washington
e, então, a ascensão de governos progressistas, conhecida como Onda Rosa.
“Em 1964, o Brasil inaugurou a sequência de golpes de Estado e rupturas da
ordem constitucional, seguido pela Argentina em 1966 e, na década seguinte, entre
1973 e 1976, por Chile, Uruguai e Argentina novamente
46
. Tais acontecimentos têm
efeitos perversos e duradouros na região, na medida em que efetivam a relação de
dependência, política e econômica, para com os Estados Unidos, que agiram na
instalação desses regimes, numa ofensiva anticomunista, agravada pela Revolução
Cubana, no contexto da Guerra Fria.
45
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal.
São Paulo: Boitempo, 2016. p. 233.
46
PINHEIRO, Letícia; LIMA, Maria Regina Soares de. O regresso conservador sul-americano. Boletim
OPSA, Rio de Janeiro, n. 1, p. 4, jan./mar. 2019. Disponível em: http://opsa.com.br/wp-
content/uploads/2017/01/Boletim_OPSA_2019_n1-jan-mar.pdf Acesso em: 12 mar. 2025.
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DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v8.238.
Com o seu fim, assiste-se à redemocratização latino-americana e à
consolidação de democracias de mercado, com problemáticas típicas da periferia
capitalista, notadamente falta de autonomia e vulnerabilidade às condições
estrangeiras. A transição política é marcada pela crise da dívida externa, que
corrobora a investida neoliberal, acentuada pela implementação de medidas
impostas pelo setor financeiro internacional aos países devedores - FMI, Banco
Mundial e Consenso de Washington
47
-, as quais incluem reformas estruturais de
abertura econômica, privatização e livre funcionamento do mercado, com alterações
nos mercados de trabalho e financeiro. Assim, a hegemonia da racionalidade
neoliberal é enraizada, com uma característica resiliente.
Contudo, essas medidas não foram bem-sucedidas e a manutenção da
hiperinflação e da instabilidade financeira põe em xeque os valores do mercado. Seus
efeitos culminam na insurgência de um novo ciclo político na América Latina
48
- a
Onda Rosa -, com uma sequência de eleições de candidatos de esquerda/centro-
esquerda: Ricardo Lagos em 2000, no Chile; Lula em 2002, no Brasil; Néstor Kirchner
em 2003, na Argentina; Tabaré Vázquez em 2005, no Uruguai; Evo Morales em 2006,
na Bolívia; Rafael Correa em 2007, no Equador; Fernando Lugo em 2008, no Paraguai;
Mauricio Funes em 2009, em El Salvador; e Ollanta Humala em 2011, no Peru. Apesar
das especificidades inerentes a cada país, a identificação de um fenômeno comum é
possível pela referência às propostas convergentes entre os governos: "inclusão
social, implementação de modelos neo-desenvolvimentistas e a construção de um
47
ALVES, Douglas Santos. Neoliberalismo, democracia e as origens da instabilidade política na América
Latina. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL MARX ENGELS, 5., nov. 2007, Campinas. Anais [...]. Campinas:
CEMARX, IFCH, UNICAMP, 2007. p. 4, GT3, sessão 4. Disponível em:
https://www.unicamp.br/cemarx/anais_v_coloquio_arquivos/arquivos/comunicacoes/gt3/sessao4/
Douglas_Alves.pdf Acesso em: 23 ago. 2023.
48
A Venezuela, com a eleição de Hugo Chávez, havia antecipado este ciclo, a partir de 1999, na
qual pesou bastante a crise econômica pretérita e a reconfiguração política naquele país. (PINHEIRO,
Letícia; LIMA, Maria Regina Soares de. O regresso conservador sul-americano. Boletim OPSA, Rio de
Janeiro, n. 1, p. 4, jan./mar. 2019. Disponível em: http://opsa.com.br/wp-
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arcabouço de instituições regionais voltadas para iniciativas de infraestrutura e
energia, concertação política e cooperação em segurança e defesa"
49
.
Numa perspectiva crítica, a Onda Rosa, enquanto trouxe avanços
progressistas, foi também marcada por continuidades do modelo neoliberal, a
denotar o caráter paradigmático da racionalidade, que adentra a agenda da
esquerda
50
, e a explicar o posterior regresso conservador, iniciado em 2015 na
Argentina, com a chegada de Maurício Macri ao poder, e cujo ápice se deu com as
eleições de Bolsonaro em 2018, no Brasil, e de Milei em 2023, também na Argentina.
De todo modo, a análise comparativa da experiência latino-americana permite
compreender o papel desempenhado pelo capital internacional e pelo ideário
neoliberal nestes movimentos, que se refletem, é claro, na substância das leis
trabalhistas. Para tanto, a seguir será dado destaque aos casos do Chile e da
Argentina.
3.2 Chile
A experiência chilena é paradigmática. O golpe de Estado que depôs a Unidade
Popular de Salvador Allende fez do país um laboratório neoliberal, sob o controle
imperialista estadunidense e a influência dos Chicago Boys
51
, que, inspirados por seus
aprendizados na Universidade de Chicago, implementaram em primeira mão os ideais
neoliberais, em contraponto às propostas cepalinas.
Esses tecnocratas e empresários, similarmente aos Instituto de Pesquisas e
Estudos Sociais no Brasil, atuaram decisivamente na orientação das políticas
adotadas pelo regime Pinochet, uma vez que adentraram os cargos econômicos da
49
PINHEIRO, Letícia; LIMA, Maria Regina Soares de. O regresso conservador sul-americano. Boletim
OPSA, Rio de Janeiro, n. 1, p. 5, jan./mar. 2019. Disponível em: http://opsa.com.br/wp-
content/uploads/2017/01/Boletim_OPSA_2019_n1-jan-mar.pdf Acesso em: 12 mar. 2025.
50
"Angel epez-Londoño (2019), após análise dos discursos de investidura dos presidentes da Onda
Rosa na América do Sul, concluem que o traço retórico comum de rejeição ao neoliberalismo não está
acompanhado de uma mesma e igual estratégia alternativa." (OLIVEIRA, Augusto Neftali Corte de.
Neoliberalismo durável: o Consenso de Washington na Onda Rosa Latino-Americana. Opinião pública,
Campinas, v. 26, n. 1, p. 160, jan./abr. 2020. Disponível em:
https://www.cesop.unicamp.br/por/opiniao_publica/artigo/648 Acesso em: 12 mar. 2025)
51
DARDOT, Pierre. et al. A escolha da guerra civil: uma outra história do neoliberalismo. São Paulo:
Elefante, 2021. p. 42.
24
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administração ditatorial - "buscavam manter sob o controle de tecnocratas
esclarecidos, e não de políticos, a possibilidade de decretar aumentos salariais e a
redução dos direitos trabalhistas"
52
. Suas propostas se destinavam a alterar o papel
do Estado, reduzindo "suas faculdades distributivas (diminuição da atuação estatal
através da privatização dos sistemas públicos de saúde, educação, previdência
social)"
53
. José Piñera, Ministro do Trabalho e da Previdência Social durante a
ditadura, também alinhado à Escola de Chicago, implementou, através de dois
Decretos-Lei, uma reforma trabalhista (o Plan Laboral), que até hoje parece inspirar
a precarização neoliberal do trabalho, com enfoque no individualismo e no
contratualismo. O Plan Laboral descentralizou as negociações coletivas, que
deveriam ser realizadas nas empresas, e fragmentou e enfraqueceu os sindicatos,
que deveriam ser despolitizados, numa clássica ofensiva neoliberal contra a
organização dos trabalhadores.
Implementado o neoliberalismo, a redemocratização chilena foi permeada por
enclaves autoritários
54
e uma redução da distância ideológica entre os partidos -
partidos de esquerda adotaram uma retórica mais moderada e aceitaram o modelo
neoliberal. A Constituição de 1980, que garantiu a transição controlada pelos
militares e vigora até os dias de hoje, "projetava a implantação de uma ordem
pública na qual o processo decisório estivesse subordinado à racionalidade
econômica"
55
, representando a constitucionalização do neoliberalismo,
acompanhada da redução dos direitos trabalhistas
56
. O Estado assume, assim, uma
52
MONTEIRO, Tiago Francisco. Facções políticas civis nas ditaduras militares do Brasil e Chile: os
homens do IPES e dos "Chicago Boys" (1955-1990). Revista Ars Historica, Rio de Janeiro, v. 8, p. 72,
2014. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ars/article/view/45370 Acesso em: 19 fev.
2025.
53
MONTEIRO, Tiago Francisco. Facções políticas civis nas ditaduras militares do Brasil e Chile: os
homens do IPES e dos "Chicago Boys" (1955-1990). Revista Ars Historica, Rio de Janeiro, v. 8, p. 72,
2014. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ars/article/view/45370 Acesso em: 19 fev.
2025.
54
Sistema eleitoral binomial, um Poder Executivo forte e um processo dificultado de reforma
constitucional.
55
MARTINS, Renato. Chile: a democracia e os limites do consenso. Lua nova: revista de cultura e
política, São Paulo, n. 49, p. 70, 2000. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/ln/a/CtSW3S9Gn9ggKsR6RgBYsGk/ Acesso em: 12 mar. 2025.
56
Além de deixar para a legislação infraconstitucional muitos dos direitos trabalhistas, não lhes
conferindo caráter fundamental, obsta à greve de funcionários do Estado e de trabalhadores em
25
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posição subsidiária - o art. da Constituição chilena estabelece que compete aos
grupos intermediários estruturar a sociedade -, transferindo a agentes privados a
responsabilidade social.
Esse legado autoritário e neoliberal dificulta a realização de mudanças mais
profundas na estrutura sociopolítica chilena, de modo que os presidentes da
Concertación adotaram governos moderados e consensuais. Apenas em 2005, com a
reforma constitucional promovida por Ricardo Lagos, logrou-se uma ruptura com o
regime anterior, dando fim ao modelo de democracia protegida. Contudo, não foram
feitas alterações substanciais nos artigos que tratam do trabalho e dos sindicatos,
apesar de seu plano de governo, apresentado em 1999, falar em fortalecimento da
liberdade sindical, do diálogo social, das negociações coletivas e da fiscalização do
cumprimento de normas trabalhistas.
A reforma trabalhista implementada por Lagos em 2001 trouxe alguns avanços
protetivos. Regulamentou as negociações coletivas, ainda de caráter voluntário;
manteve a possibilidade de contratação de trabalhadores substitutos em caso de
greve, mas aumentou seus custos, instituindo o pagamento de um bônus de
substituição, a ser distribuído entre os trabalhadores grevistas; e criou o seguro-
desemprego, financiado pelos trabalhadores e empresas, e o seguro-desemprego
solidário, mediante o qual o trabalhador cuja contribuição não alcançasse a
cobertura mínima poderia receber financiamento estatal. Michelle Bachelet, a seu
turno, avançou na tutela dos direitos trabalhistas individuais, com enfoque na
proteção de vulneráveis (medidas para erradicar o trabalho infantil e para promover
a igualdade de remuneração entre os gêneros). Também reformou a justiça do
trabalho, criando novos tribunais e modificando os procedimentos para agilizar a
resolução de conflitos. No âmbito coletivo, elevou o valor das multas por práticas
antissindicais. Em 2007, Bachelet efetuou uma reforma previdenciária, pelo
estabelecimento do Sistema de Pensões Solidárias. Como resultado, principalmente
funções essenciais e proíbe a atuação político-partidária das entidades sindicais, coibindo sua
liberdade.
26
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destes dois últimos governos Concertación
57
, observou-se uma redução da pobreza,
mas a concentração de renda permaneceu alta
58
.
Numa visão crítica, sintetizada por Moulian
59
, o que se percebe é que a
democracia consensual chilena representa a vitória do projeto neoliberal, e os
mandatos da Concertación, apesar de fortalecerem a atuação do Estado Social, não
deixam de ser uma continuidade das estruturas estabelecidas durante a ditadura,
dado um contexto socioeconômico que demanda concordância com os empresários
para se reproduzir. Assim, é fixada uma sociedade de mercado, de indiferença
política e de cidadãos consumidores e indivíduos competitivos.
No entanto, os movimentos sociais no país demonstram o inconformismo da
população com o modelo neoliberal de sociedade e a privatização e mercantilização
dos encargos sociais (saúde, educação, seguridade social), o que culmina no Estallido
Social de 2019. As demandas por uma nova Constituição se fizeram presentes ao
longo das décadas de 2000 e 2010, mas as mobilizações de 2019, de maior magnitude,
fizeram com que o governo de Piñera não pudesse mais ignorá-las. Em 15 de
novembro de 2019, foi assinado o Acordo Pela Paz Social e a Nova Constituição,
institucionalizando o processo constituinte
60
. Após a redação, o novo texto
constitucional foi submetido, em 2022, a um plebiscito, no qual foi rejeitado, apesar
do apoio do Presidente Gabriel Boric.
A Constituição apresentada tinha um caráter progressista e que ia de encontro
à racionalidade neoliberal, contendo propostas que reconfiguravam os valores
estatais, no sentido de um Estado Social
61
. Além de estabelecer o direito à seguridade
57
Coalizão de centro-esquerda (PS, PPD, PRSD e PDC) que governou o Chile e 1990 a 2010. À direita,
tem-se a Coalición por el Cambio (UDI, RN, CH1 e MHC).
58
CARVALHO E SILVA, Rodrigo Freire. A orientação de políticas públicas dos governos da
"Concertación" e a renovação do Partido Socialista do Chile. Política & Trabalho: revista de Ciências
Sociais, João Pessoa, n. 35, p. 81-106, out. 2011. Disponível em:
https://periodicos.ufpb.br/index.php/politicaetrabalho/article/view/12610 Acesso em: 12 mar.
2025.
59
MOULIAN, Tomás. Chile actual: anatomía de un mito. Chile: LOM Ediciones, 1997.
60
GONZALEZ, Eric Eduardo Palma. Notas sobre o processo constituinte chileno 2019-2020. Revista
Culturas Jurídicas, Niterói, v. 7, n. 16, p. 11, jan./abr. 2020. Disponível em:
https://periodicos.uff.br/culturasjuridicas/article/view/45397 Acesso em: 12 mar. 2025.
61
"Alguns pontos constrangeram os partidos políticos, e estimularam uma apreciação desfavorável da
nova constituição, mesmo antes da realização do plebiscito. Por exemplo, a definição do Estado
chileno como plurinacional, a legalização do aborto, e reconhecimento de um sistema jurídico
27
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social pública e solidária, a proposta incluía mudanças importantíssimas, ao elevar
os direitos trabalhistas e sindicais ao patamar de direitos constitucionais. Nesse
sentido, a nova redação trazia o dever de o Estado garantir o trabalho digno e sua
proteção; o reconhecimento da função social do trabalho; a garantia da liberdade
sindical, também para funcionários públicos, sem restringir o direito de greve ou a
atuação política dos sindicatos; e o direito à negociação coletiva, sendo
representantes legitimados dos trabalhadores apenas os sindicatos.
Em suma, extrai-se da experiência chilena, por um lado, a resiliência da
racionalidade neoliberal - enraizada pelos enclaves presentes na Constituição
vigente e não superados pelos governos de esquerda - e, por outro, a ineficiência
deste modelo em atender às demandas da população e propiciar uma vida digna,
amparada pelo Estado. A aprovação do texto proposto provocaria uma experiência
de ruptura paradigmática e, aí sim, poderia se falar em uma nova Onda Rosa para o
Chile, fundamentada numa Carta Constitucional que devolve ao Estado a
responsabilidade por seus cidadãos, atualmente dependentes do mercado.
3.3 Argentina
Na Argentina, a virada neoliberal também se iniciou no governo militar, em
1976, com apoio dos grupos econômico-financeiros dominantes, que promoveram a
desindustrialização do país, interrompendo a substituição de importações
empenhada pelo peronismo, e a redução de direitos e renda dos trabalhadores,
recorrendo ao congelamento dos salários. Outra medida estabelecida por Martínez
de Hoz, Ministro da Economia de Videla, foi a reforma financeira de 1977, que
extinguiu o controle das taxas de juros e acentuou o processo de financeirização,
acompanhado de grande especulação financeira, num contexto de elevação da dívida
externa.
especial para os povos originais etc." (DESIR, Jean Luc. Explosão Social 2019: a proposta rejeitada
da nova constituição chilena. 2022. Monografia (Bacharelado em Relações Internacionais e Integração)
- Instituto Latino-Americano de economia, sociedade e política, Universidade Federal da Integração
Latino-Americana, Foz do Iguaçu, 2022. p. 45)
28
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Tais políticas foram fortemente agravadas nos governos Menem, em
consonância com o receituário neoliberal imposto pelas instituições multilaterais aos
países latino-americanos. Para fazer frente às exigências do capital estrangeiro,
aprofundaram-se as medidas de precarização do trabalho e as privatizações, no
intuito de aumentar a competitividade da Argentina no cenário internacional e atrair
investimentos. A primeira reforma a ser implementada foi a da previdência,
mediante a criação do Sistema Integrado de Jubilaciones y Pensiones, que substituía
o antigo sistema público por um sistema misto, com um regime de capitalização
individual de administração privada. No mais, o novo sistema aumentou a
contribuição do trabalhador de 10% para 11% e a idade mínima para aposentadoria
em 5 anos. A reforma acabou por agravar o déficit da previdência pública, pois os
trabalhadores mais jovens acabaram escolhendo dirigir suas contribuições ao setor
privado, enquanto a maioria dos trabalhadores mais próximos da aposentadoria
optaram por se manter no sistema público, que não mais contava com o ingresso das
novas contribuições para pagá-las - problema alimentado pela redução da
contribuição patronal à previdência, sob o discurso de aumento da competitividade
da economia nacional.
No mesmo sentido se deu a reforma trabalhista. Para viabilizar as
privatizações e cumprir as exigências do FMI, seria preciso reduzir os custos da mão
de obra local. As mudanças iniciais foram feitas por meio de decretos presidenciais
- "o governo revogou os convênios coletivos firmados nas estatais, diminuiu as vagas
do setor, congelou os salários e restringiu o direito de greve, num movimento
absolutamente articulado com o processo de privatizações que logo se iniciaria"
62
.
Em 1991, pela Lei do Emprego, foi ampliada a possibilidade de contratação
temporária, modalidade que, além de fragmentar os trabalhadores, alivia as
responsabilidades empresariais, por não estar sujeita a indenizações em caso de
demissão após o prazo contratual. Foram ainda enfraquecidas as instituições públicas
62
MARTINS, Carlos Gilberto de Sousa. Crescimento econômico e desemprego: o impacto das políticas
econômicas no mercado de trabalho argentino ao longo dos anos 1990. In: URQUIDI, Vivian et. al.
(org.). Estado e lutas sociais na América Latina: sociedade, economia e política. São Paulo:
PROLAM/USP, 2019. p. 1356. (Coleção Pensar a América Latina e o Caribe, livro 2, v. 4)
29
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de fiscalização do trabalho - as reclamações relativas a doenças ou acidentes de
trabalho seriam agora submetidas à justiça civil, demonstrando a contratualização e
transferência das relações de trabalho ao âmbito privado. Isentando cada vez mais
as empresas, foi criado o período de prueba (Lei de Fomento ao Emprego, 1994), que
durava 3 meses, estendíveis para 6 por negociação coletiva, durante o qual não
precisavam ser feitas contribuições previdenciárias e nem pagas indenizações por
demissão.
Uma reforma trabalhista mais ampla logrou ser aprovada em 1995, atendendo
aos pressupostos do mercado:
[...] as principais mudanças promovidas pela reforma implementada em
1995 se referiam a novas reduções das contribuições patronais; novas
reduções de gastos com relação às demissões e indenizações causadas por
acidente ocorrido no local de trabalho; flexibilização das horas de trabalho
no sentido de haver maior liberdade na sua distribuição; e a
descentralização das negociações entre patrões e empregados. Essa última
talvez tenha sido a modificação mais impactante, uma vez que as
negociações feitas no âmbito da empresa passaram a se sobrepor às
negociações feitas por atividade ou profissão
63
.
Fica evidente a aplicação do receituário neoliberal com suas típicas investidas
no sentido de fragmentar os trabalhadores (por contratos atípicos e negociações
coletivas descentralizadas), dificultando sua resistência, obstando seu acesso à
justiça e à previdência e submetendo-os a um ambiente de trabalho hostil que,
somado aos altos índices de desemprego verificados no país, incentiva a
competitividade e cria condições para que a classe aceite trabalhos mais precários,
subjugados à lógica do mercado concorrencial.
A eleição de Néstor Kirchner em 2003 marca a chegada da Onda Rosa à
Argentina e a adoção de disposições voltadas à estabilidade social. Com o intuito de
restabelecer a mediação estatal no conflito distributivo, foi criada uma política de
rendas, que "abrangia medidas relativas à previdência social, às negociações
63
MARTINS, Carlos Gilberto de Sousa. Crescimento econômico e desemprego: o impacto das políticas
econômicas no mercado de trabalho argentino ao longo dos anos 1990. In: URQUIDI, Vivian et. al.
(org.). Estado e lutas sociais na América Latina: sociedade, economia e política. São Paulo:
PROLAM/USP, 2019. p. 1358. (Coleção Pensar a América Latina e o Caribe, livro 2, v. 4).
30
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coletivas de salários, à política de preços (subsídios aos produtores de bens que
compõem a cesta básica e acordos de preços com o setor privado) e à tributação
sobre as exportações"
64
. Em contraponto ao FMI, o governo sustentou as taxas de
juros baixas, que seriam necessárias para promover crescimento econômico e gerar
empregos, e manteve o congelamento das tarifas dos serviços públicos privatizados.
Néstor "deixou para sua sucessora, Cristina Fernández de Kirchner, um legado de
forte crescimento econômico - com expansão anual em torno de 8% -, queda do
desemprego e da inflação. Deixaria em aberto, contudo, questões ligadas ao controle
da inflação"
65
. Importantes conquistas de seu primeiro governo foram a reforma da
previdência, com a renacionalização parcial do sistema de pensões e a criação do
programa Asignación Universal por Hijo, que corroborou com sua reeleição.
De fato, os governos da Onda Rosa argentina foram mais resistentes no que
diz respeito às concessões ao capitalismo internacional, mas com a eleição de
Mauricio Macri a agenda neoliberal voltou à pauta governista. Em 2017, o presidente
apresentou uma proposta de reforma trabalhista, que tinha como referência a
reforma precarizante realizada no Brasil. As medidas incluíam:
[...] exclusão da parte variável da natureza salarial; rebaixamento das
condições de trabalho mediante acordo individual; alteração das condições
de trabalho unilateralmente pelo empregador; retirada dos freios à
terceirização, eliminando a responsabilidade solidária que a legislação
argentina contempla; contratos de trabalho “autônomo” economicamente
vinculado e trabalho “autônomoindependente com colaboradores; redução
das indenizações por despedida (novidade da proposta argentina em relação
à brasileira: constituição de fundo para pagamento das verbas rescisórias);
contratos em tempo parcial; mitigação dos riscos (anistia) pelo contrato sem
registro ou registrados de forma inadequada
66
.
64
SILVA, Roberta Rodrigues Marques da. A Argentina entre as reformas econômicas neoliberais e a
redefinição das negociações com o FMI (1989-2007). Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 17,
n. 33, p. 20, jun. 2009. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/rsp/article/view/28729 Acesso em:
12 mar. 2025.
65
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socialdemocracia na Argentina. In: SEMINÁRIO DE PÓS-GRADUANDOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS DO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO, 2., 17-21 set. 2012, Rio de Janeiro. Anais [...]. Rio de Janeiro: UFRJ, 2012. p.
13.
66
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reformas trabalhistas em países da América Latina: a resistência de atores sociais e o papel das
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31
Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano
Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região
DUTRA, Renata Queiroz; SCANDIUZZI, Juliana. Neoliberalismo ou nova Onda Rosa? Perspectivas de um giro racional a
partir da pauta trabalhista. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.8, p. 1-35, 2025.
DOI: https://doi.org/10.33239/rjtdh.v8.238.
Porém, graças à resistência dos sindicatos e da sociedade civil, a tramitação
do projeto foi suspensa, tratando-se, neste ponto, de um caso mais bem sucedido
que o brasileiro
67
.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito do trabalho reflete a racionalidade político-ideológica de uma
sociedade num dado período histórico. Quando da sua criação, foi orientado por
fundamentos protetivos, para estabelecer um paralelo mais equânime na relação
assimétrica entre capital e trabalho. Contudo, conforme evidenciado neste artigo
pela análise da pauta trabalhista, o paradigma protetivo do direito do trabalho foi
subvertido pelos valores do mercado, que operam a racionalização e a extensão das
normas da concorrência à sociedade e ao indivíduo, em uma lógica que se
retroalimenta a partir da naturalização do risco e da austeridade estatal.
Este fenômeno é observado no Brasil e em outros países latino-americanos,
sendo identificável a participação do capital financeiro internacional na propagação
do neoliberalismo - o que desmente o mito de sua neutralidade ideológica -, apesar
de haver resistência da sociedade civil e dos sindicatos. A eleição de governos à
esquerda, por sua vez, não representa um giro racional, mas apenas uma atenuação
da retração do Estado Social, cujas mudanças efetivas, que ultrapassem o plano
simbólico e discursivo, devem ser verificadas ao longo de seu desenrolar. A essência
da expressão Onda Rosa se mantém pertinente, no sentido em que tais governos
evidenciam um abrandamento da esquerda - a guinada neoliberal para a qual
apontam Dardot e Laval -, muito mais rosa do que vermelha.
http://www.memoria.fahce.unlp.edu.ar/trab_eventos/ev.11377/ev.11377.pdf. Acesso em: 14 ago.
2023
67
A eleição de Javier Milei em 2023, que se deu após a escrita deste artigo e por isso não será
analisada, demonstra a contemporaneidade da ameaça ultraneoliberal e certamente te graves
consequências no que tange ao desmonte das proteções trabalhistas.
32
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DUTRA, Renata Queiroz; SCANDIUZZI, Juliana. Neoliberalismo ou nova Onda Rosa? Perspectivas de um giro racional a
partir da pauta trabalhista. Revista Jurídica Trabalho e Desenvolvimento Humano, Campinas, v.8, p. 1-35, 2025.
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AGRADECIMENTOS
O presente trabalho foi realizado com incentivo da Fundação de Apoio à Pesquisa do
Distrito Federal (FAP-DF).
Renata Queiroz Dutra
Professora Adjunta de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília.
Doutora e mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB).
Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Coordenadora do Observatório
da Reforma Trabalhista no STF (REMIR/UNB) e do Grupo de Pesquisa Trabalho,
Interseccionalidades e Direitos (FD/UNB). Integrante dos Grupos de Pesquisa Transformações
do Trabalho, Democracia e Proteção Social (FD/UFBA); Trabalho, Trabalhadores e Reprodução
Social (FFCH/UFBA) e Trabalho, Constituição e Cidadania (FD/UnB). Integrante da REMIR - Rede
de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista; da RENAPEDTS - Rede
Nacional de Grupos de Pesquisa em Direito do Trabalho e Seguridade Social; e da ABET -
Associação Brasileira de Estudos do Trabalho. Pesquisadora do CRH/UFBA. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8383070129847806. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0736-8556. E-
mail: renata.dutra@unb.br.
Juliana Scandiuzzi
Graduanda em Direito pela Universidade de Brasília. Integrante do Observatório da Reforma
Trabalhista no STF (REMIR/UNB). Lattes: http://lattes.cnpq.br/9892514224991960. ORCID:
https://orcid.org/0009-0009-0984-545X. E-mail: scandiuzzij@gmail.com.